quarta-feira, abril 30, 2008

mais apontamentos (desta vez não apenas nocturnos)

i.

a - E esse cabelo? E esses óculos da Dolce & Gabbana? E esses ténis de mitra, da Nike? Vens ter comigo e depois não dizes nada, é para vires ter com a Luísa, não é?
p - Olha lá... ténis da Nike são de mitra porquê? E essa roupinha da Stradivarius, não é de beta, nem nada? Oh sua pseudo-gogó!
a - Gótico é fixe.
(...)
a - Tens as mãos bué gordas!
p - Não é gordas, é inchadas, é do calor.
a - Mas está calor? Está um dia bué frio.
p - Mas tem estado calor.
a - As minhas ficam é roxas, da má circulação.
p - Roxo é uma cor extremamente gogó, não é?


ii.

v - Agora, também, fazem iogurtes para tudo, ele é iogurtes para ganhar peso, perder peso, para o bom colesterol e para o mau colesterol, iogurtes para a prisão de ventre e iogurtes para não cagares...
l - A sério?
v - E iogurtes com extracto de aloé vera e iogurtes para viveres mais tempo sem apetite, e de forma mais... "saudável".
p - E iogurtes para a caspa.
l - Existem iogurtes para a caspa?!
v - Existe tudo, hoje em dia...


iii.

l - Eu não me quero ir embora, quero ficar aqui contigo... é bom.
p - Eu também não quero ir, mas tem de ser, ainda tenho que ir fazer uma viagem de quarenta e cinco minutos a pé até casa... tu é só até ali abaixo e, de qualquer forma, eu vou contigo. Se quiseres que te leve. Que já é tarde.
l - Quero, sim! Mas, e tu, ficas bem? Não é perigosa, a viagem? Ainda é um bocado. E vais chegar só lá pelas três...
p - Não faz mal, andar sempre ajuda a perder o peso. E Caldas não é propriamente uma urbe perigosa, pelo menos para os lados por onde tenho de passar...
l - Ok, tu é que sabes, mas por favor jura que chegas bem a casa, e quando chegares manda-me mensagem! E espero que ninguém te assalte, ou pior...
p - Pior...?
l - Sei lá, isto, há-de tudo... podem-te violar, ou assim...
p - Se me violarem, olha, pode até ser bom, sei lá. Não dizem esses "sexólogos" das revistas cor de rosa, formados por correspondência através da prestigiada Universidade Metódico-Baptista de Salt Lake City que o ponto G dos homens é na próstata? E, para além do mais, sempre ganhava uma história interessante para contar aos meus filhos, caso algum dia venha a ter.
l - Olha, esperemos sinceramente que sim.
p - Hein?
l - Os filhos...

quinta-feira, abril 17, 2008

(Outro) Tributo a Sergio Leone



Desta vez, o vídeo foi extraído do filme O Bom, O Mau e O Vilão (The Good, The Bad and The Ugly). A música, mais uma vez, é dos Dead Combo, excepto o tema dos créditos, dos Boards of Canada.

quarta-feira, abril 16, 2008

Tributo a Sergio Leone



Um vídeo que criei, usando imagem do Por um Punhado de Dólares (A Fistful of Dollars), de Sergio Leone, e música dos Dead Combo.

O Acordo Ortográfico (e o meu desacordo)

Tem-se falado muito disso e eu próprio queria deixar a minha opinião sobre o assunto. Não vou, contudo, apresentar argumentos científicos, políticos, sociais - ou pelo menos não os abordarei como tal. Antes de mais, para que se saiba: sou contra o acordo. Muito contra, mesmo. É óbvio que, se apresentasse exemplos das palavras que serão evoluídas no acordo e nas quais as consoantes mudas têm o propósito de abrir as vogais que as precedem, ou tornar tónicas as sílabas em que se encontram, os defensores do acordo apresentariam de imediato bastantes exemplos de fugas à regra, que me deixariam supostamente desmoralizado e arrependido de ter sequer mencionado isso - ainda que todas as línguas possuam regras e excepções, mas parece-se que, sob a égide de se criar um Português verdadeiramente novo, moderno, global, evoluído e internacional, quaisquer regras que existam, se aparentemente obsoletas, têm necessariamente de ser extintas.
Falou-se muito do Inglês, como língua universal, e do suposto acordo que tornou o Inglês uma língua sem variações e sem excepções. Isto não é verdade. Os Bretões e alguns falantes de Inglês da Commonwealth têm pequenas variações das quais não se abriu mão; note-se, a título de exemplo, as palavras colour (EN GB)/color (EN US), centre (EN GB)/center (EN US). Defende-se que, para criar uma Língua Portuguesa universal, é necessário torná-la alegadamente mais representativa da oralidade (como se a ortografia fosse uma transcrição fonética absoluta - lamento desapontá-los, mas nunca foi, não é, e nem com este acordo passará a ser), logo, se as consoantes mudas lá estão e não se lêem, não fazem sentido, devendo-se, pois, eliminá-las. Facilitar a representatividade ortográfica do que se fala. Isto aconteceu no Inglês? Não. Um f, também em Inglês, vale o mesmo que um ph. Uma palavra começada por sc poderia começar da mesma forma por c ou s. O Inglês, decididamente, meus caros senhores preconizadores e defensores do acordo, não serve para ser usado como carro de batalha na vossa demanda económica e política.
Chamar-me-ão retrógrado, os defensores do acordo, nacionalista, indivíduo com manias coloniais e de superioridade em relação ao Brasil, mas prezo muito a minha identidade linguística portuguesa - portuguesa de Portugal - e não me sinto bem com essas eliminações de letras que, no meu entendimento, parco, ou não, faz realmente sentido que lá estejam. Seja de um ponto de vista sintáctico, etimológico ou meramente ortográfico. Sei que o último acordo ortográfico efectuado também gerou controvérsia e no entanto aqui estamos, todos sobreviventes ao mesmo, e é óbvio que também se sobreviverá a este, e os nossos descendentes provavelmente até acharão ridículo que os seus antepassados se tivessem batido por isto. Mas é que isso não me interessa (estou desde já consciente que um argumento tão egoísta, pessoal e desinteressado no suposto futuro das gerações vindouras vai suscitar ironiazinhas e sarcasmos nas cabeças dos cavalheiros pró-acordo - e não só, nos anti-mim também). A evolução linguística é uma coisa que acontece, mas que não se deve forçar. O Português do Brasil (PT BR) é uma língua muito mais aberta à mudança, do que o nosso (PT PT), e por isso teve uma evolução ortográfica, sintáctica, semântica, lexical e tantas mais, muito diferente da nossa - diferente, nem superior, nem inferior. E é esta diferença, esta variedade que defendo dever ser respeitada. É óbvio que, no último acordo, alguém escolheu fazer essas alterações sem consulta ao falante comum, mas foi numa altura em que a taxa de alfabetização era menor, logo, o falante comum também se queixava menos, sendo que não tinha consciência linguístico-ortográfica, ou pelo menos uma noção da semiologia da ortografia - os alfabetizados, particularmente os que viviam da escrita, esses, queixaram-se, e muito.
Há uma questão, que já referi, e que parece estar na linha da frente dos defensores do acordo, essa coisa vaga da representação ortográfica da fonética. Quanto a isso, estamos a criar regras, ou a destituir a ortografia de qualquer tipo de regras? Dizia um admirável senhor, no (abominável) Prós e Contras deste dia 14, com jocoso sarcasmo, que as consoantes só se eliminam onde, de facto, não se dizem, provocando as pessoas que eram contra o acordo com questões/respostas do género "Diz o c, em facto? Então, escreva-o. Diz o p, em baptismo? Não o escreva, é simples." Muito bem. E isto é suposto vir facilitar a aprendizagem e assimilação fonético-ortográfica dos alfabetizandos. Isto só lhes dá uma margem de manobra tal, que qualquer coisa pode passar a ser correcta. E as variações regionais? Abrem excepções, também? Nas regiões em que as palavras acabadas geralmente em r são oralmente seguidas de um som "e" ou "i", poderão passar a escrever, a título de exemplo, "senhore", ou "senhori"? É que isso é que é representar concretamente a oralidade.
Talvez eu não queira mesmo ceder a isto por haver, ainda que infimamente, qualquer coisa, em mim, que não tem grande amabilidade para com o PT BR. Todas as pessoas que me conhecem sabem que nutro um ódio de estimação, irracional, de resto, como bom ódio de estimação, que é, para com o Brasil, mas a questão aqui nem é essa. Não me assusta a ideia de me submeter ao país que tem mais falantes do Português, no mundo. Cresci a ler bandas-desenhadas em PT BR e sobrevivi a isso. Nunca tive dúvidas em perceber que ótimo e óptimo são a mesma palavra. E não percebo porque é que, já que a grande questão de tudo isto é económica e política, e não linguístico-social, e as editoras/livrarias brasileiras querem entrar em competição noutros mercados fora do brasileiro, não entram logo nesses mercados. Entrem. Sem acordos. Os portugueses iriam perceber à mesma o português evoluído e aberto e moderno que vocês têm.
Já agora, em jeito de provocação, dizia uma mulher, brasileira, no Prós e Contras, que não eram só os portugueses que iam abdicar de algumas coisas, eles, brasileiros, também teriam que o fazer. Ah, sim? Portanto, em nome da pseudo-representatividade máxima da fonética, em termos dos signos, alguém vai obrigar os brasileiros a escrever "cidadji" em vez de cidade, "gostxi" em vez de goste, "tau" em vez de tal e "campãia" em vez de campanha? Não me parece...

terça-feira, abril 15, 2008

Lançamento do disco dos Dead Combo, "Lusitânia Playboys", fnac Chiado, 14.04.08


Lá estávamos nós, eu, a minha irmã e o Jorge, a ver livros, eu já com uma cópia do álbum debaixo do braço, assegurando para mim mesmo que "este, já ninguém mo tira". Tinha sido a última cópia que tinha encontrado na estante da música portuguesa, e por nada a queria perder. Nas colunas um funcionário da loja anunciava o lançamento do disco, pelas dezoito horas e trinta minutos dessa mesma tarde, Lusitânia Playboys, dos Dead Combo - nome que, de resto, pronunciou estranhamente demasiado à inglesa. Mas nada de mais.
O disco estava mais barato do que me tinha sido assegurado por Pedro Virtuoso Gonçalves, contrabaixista e "multi-instrumentista" dos Dead Combo, dado que me custou menos dois euros do que estava a contar gastar. Foi uma pequena felicidade. Graças à fnac pelos preços verdes, ainda que isso seja extremamente ecológico-natural.
Um pouco antes das seis e meia, dirigimo-nos para a pequena sala de concertos da fnac do Chiado, a fim de arranjarmos um lugar mais ou menos decente, de onde assistir ao espectáculo. Já só havia uns no chão, perto de pessoas que, pelo aspecto, pelo cheiro e pelas conversas, seriam alunos de Belas Artes. Isto pode parecer estranho, mas dentro de minutos dávamos graças a qualquer entidade divina pelos lugares que arranjámos, já que a sala mínima da fnac tinha ficado a abarrotar.
Sons de rua, havia ali qualquer coisa que me fazia lembrar os anos trinta ou quarenta do século passado, naquela gravação que criou o ambiente para a entrada do Tó Trips e do Pedro Gonçalves, já nos trajos que lhes proporcionam entrar na "verdadeira" pele de Dead Combo - a cartola do Tó e o fato completo, roçado, do Pedro, e ali os tínhamos, os Dead Combo, sentados frente a frente, a abrir com Sopa de Cavalo Cansado, aliás, a primeira música do cd. O Jorge alegava que nunca houvera visto um contrabaixo e eu fiz questão de informar que ainda dois dias antes tinha assistido a um concerto de um dos melhores contrabaixistas nacionais. Quem pode, pode, caramba! Como era uma apresentação (não, não vou chamar-lhe showcase, peço perdão), eu já contava que fosse curta. Ainda assim, tempo para ouvir Rak Song, Like a Drug (uma versão de uma música dos Queens of The Stone Age, que creio estar melhor no arranjo dos Dead Combo, do que na versão orignal), Canção do Trabalho D.C., Putos a Roubar Maçãs, Malibu Fair, Manobras de Maio 06 e Cuba 1970 (são as de que me lembro, anunciadas pelo Tó Trips num tom monocórdico, fazendo lembrar vagamente locutores de rádios antigas). Muita guitarra, muito contrabaixo, muita melódica - dir-se-ia que tínhamos entrado num saloon típico dos filmes de Sergio Leone, onde, em vez do piano desafinado e das dançarinas de can-can, a Hermínia Silva puxava o Pacheco para que tocasse um fado qualquer. E o Homem sem Nome (a personagem do Clint Eastwood na trilogia Dollars) bebia um whisky ao balcão, entre velhos que acabavam de chegar da vindima e da poda das macieiras - tudo isto na Baixa de Lisboa, numa loja de franchise internacional. Um pouco menos de meia hora, mas excelentemente brutal, de princípio ao fim. Nas palavras do Trips: "amanhã há mais." E despediu-se, seguindo ambos para os bastidores. Fiquei desolado, porque tinha mesmo de me ir embora, voltar para Óbidos na Rápida das 20:15, já que a seguir a essa só tinha uma última, às 21:00, e queria um autógrafo. Pedrocas: para a próxima, cravo-vos um autógrafo antes, enquanto andarem a vaguear pela loja sem estarem na pele de Dead Combo. Garanto. Serei um stalker de gabarito.

Já agora: o cd é, na minha opinião, até agora, o melhor deles, e sugiro que quem gostar se dirija imediatamente a uma loja de discos e o adquira. Para além do mais, vem com um dvd que inclui um concerto no Maxime, o making of do Lusitânia Playboys e todos os videoclips oficiais que já foram lançados, até hoje. Por cerca de 17 euros, vale bem a pena, sem pensar duas vezes, comprar este álbum, que é uma preciosidade da música alternativa/indie nacional (e não só nacional, bem entendido). Vão comprar. A sério.

N.A.: Dei por mim, quando estava a ver o dvd, a reconhecer o Carlos Bica no making of do Lusitânia Playboys. Tendo ido conferir aos créditos do disco, posso, de fonte segura, afirmar que realmente Carlos Bica, esse deus do contrabaixo, é artista convidado dos Dead Combo neste álbum. Iupi (inserir smiley indicativo de folia/pândega/alegria/maluquice exacerbada)!

domingo, abril 13, 2008

Festival de Jazz de Valado dos Frades 08 - 12 de Abril


Eram umas oito e meia e eu estava atrasado. Tive ainda tempo de aquecer uns restos de arroz de cenoura, que tinham sobrado de há uns dois ou três dias, fritar uns croquetes à pressa, comer tudo em menos de cinco minutos e correr para o largo, onde era suposto estar há um quarto de hora. Já lá estava o Nené e íamos ainda ter de esperar pelo Ricardo - que era, no fundo, a nossa mais que requerida boleia para Valado dos Frades, local onde, anualmente, de há cerca de dez anos a esta parte, decorre aquele que é o melhor festival de jazz da região e, arrisco-me a dizê-lo, um dos melhores a nível nacional, se bem que talvez pouco divulgado.
A viagem teve os seus percalços, já que era a primeira vez que o Ricardo ia para aqueles lados e, não querendo seguir as minhas indicações, acabou por se demorar mais um bocado. Eventualmente, lá se decidiu a seguir pela autoestrada até à saída marcada com "V. dos Frades", que nos deixou à porta da dita vila (aldeia? Enfim). Seguimos em direcção ao salão da Biblioteca Instrução e Recreio (BIR), onde, nos últimos três anos, têm decorrido os espectáculos, apenas para nos depararmos com as portas fechadas. Faltavam à volta de trinta minutos para as dez horas, hora marcada para o início do concerto, e nós achávamos assaz estranho que estivesse tudo ainda tão apagado e quieto, portanto, entrámos no café ao lado (mais a tasca ao lado), que faz parte do salão, também, para perguntarmos se era ali que estava a decorrer o festival este ano. Não era. A donzela que nos atendeu largou com pouca prontidão o aparelho de televisão no qual assistia a um documentário acerca de tatuagens, dirigiu-se ao balcão e inquiriu, com cara de poucos amigos, se íamos desejar algum produto em exibição no seu estabelecimento. Sentimo-nos obrigados a consumir, e, no fim de termos adquirido, nomeadamente, um café e um pacote de amendoins cobertos, lá nos sentimos no direito moral de pedir à excelsa criatura que nos indicasse, por obséquio, se era, ou não, ali, que ia Carlos Bica dar o seu concerto de jazz. Não era, respondeu ela, prontamente. Não era ali, embora tivesse, de facto, sido, durante três anos consecutivos. O nosso pensamento uníssono deve ter sido qualquer coisa na base semântica da interjeição "bolas!", assim mesmo, exclamativa, e o mais exclamativa possível. Pronto, tudo bem. Então, onde é, este ano? E ela indicou. Era na sala da BIR, junto da praça, só uns metros mais abaixo. Vai-se bem a pé e há setas a ajudar. Porreiro. Mas as provações no café do salão da BIR não tinham acabado. Enquanto o Ricardo acabava de saborear o seu café, surge a alegação de que ali já não havia jazz, mas havia noite africana. Rimo-nos, pensando tratar-se somente de um desabafo, de uma brincadeira, de um momento de intimidade espirituosa, típica dos trabalhadores em locais como aquele. Nisto, o Nené, virando-se para trás, para ver os programas afixados no placard de corticite, puxa-me pelo braço, apontando, com ar incrédulo, para o programa de uma Noite Africana, animada musicalmente por dois DJs cujo nome não fixei, e cujo preço de admissão era de 2 Africanos e meio, sendo que as bebidas estavam a 0,80 Africanos. Pedimos ao Ricardo, encarecidamente, que se apressasse a beber o seu café, embora, antes de abandonarmos com relativa celeridade o bendito cafezinho, a sua exploradora ainda nos tenha dirigido um profundo "vocês deviam era ficar para este, que isto é que é para a vossa idade". Obrigado, mas não, obrigado. Descemos até à praça, e lá estavam as setas e as indicações preciosas "Sala da BIR - 11º Festival de Jazz Valado dos Frades". Passámos também por uns jovens de boné e fios dourados com demasiado bling, que soubémos, à partida, virem a ser frequentadores, por 2.5 Africanos, do salão da BIR, mais acima.
Pagámos os oito euros (nada de oito "jazzes", ou oito "festivais", ou oito qualquer coisa - oito EUROS), e fomo-nos sentar o mais perto da frente possível. Este ano as cadeiras e as mesas já não eram as de madeira, decrépitas, a que o festival do Valado me tem vindo a habituar e, por isso mesmo, desconfiei. O ambiente podre e gasto era uma coisa que me agradava sobremaneira, e de repente vi-me num sítio mais moderno, mais in, a apostar mais num design minimalista, e tal. Abri o preçário. Ok, design minimalista, mas, ah!, os amendoins não falham! Amendoins - €0.50. Fixe. Cerveja - €1.40 para cima, mas, como não bebo, tudo bem. Whisky, que ó que se quer: €1.50. A noite promete. Esperámos. A sala encheu. Havia pessoas na balaustrada, em cima, pessoas em pé, atrás e dos lados, as mesas cheias. De repente era como se tivessem voltado a substituir as cadeiras muito bauhaus pelas cadeiras de bar de jazz dos anos vinte sem restauro. Estava-se bem, respirava-se música, bem-estar, conforto, amizade, tudo, mas, sobretudo - jazz. As horas arrastavam-se, nós acabávamos o primeiro de três sacos de amendoins e, da banda, nada.
Deviam ser perto das onze, quando o Carlos Bica e amigos/convidados (pareceram sempre muito mais amigos, do que convidados) subiram ao palco. Afinar os instrumentos, e tal. José Salgueiro na bateria, Mário Delgado na guitarra, João Paulo Sousa no piano, órgão e acordeão, e Carlos Bica no contrabaixo. Quatro nomes preciosos do jazz (e da música, em geral) nacional juntos num palco, mesmo à nossa frente, um deles já tendo sido considerado o melhor contrabaixista de jazz do país - eu não estava em mim. O Mário Delgado grava uma malha, põe no loop e eles começam. Vem-me à cabeça uma palavra: genialidade. Aquilo não era só jazz, e com o decorrer da noite eu só viria a comprovar isso ainda mais. Eles riam-se e divertiam-se e a primeira música ainda não ia a meio. Não era só genialidade. Era algo mais. E ali na primeira fila, com dois amigos do melhor, whisky, amendoins, jazz do bom, intérpretes soberbos, em todo o lado olhares simpáticos, compreensivos, todos sentíamos o mesmo; não era só genialidade, nem perto. Era intimidade. Era isso.
Eles tocaram temas dos álbuns mais recentes e mais antigos do Carlos Bica, composições do Mário Delgado e do João Paulo Sousa, e todas as músicas, todas, da primeira à última, respiravam, transpiravam, exalavam, transmitiam, em última análise, jazz. Livre. Um jazz que era tudo. Era rock, era indie, era avant-garde, era experimental, era tango com laivos de salsa. E estar no meio daquilo, fazer parte daquela experiência foi uma coisa que me foi muito. Nunca a companhia de bons amigos me soube tão bem. Nem o whisky, nem os amendoins. É que não era por isso. Cada um dos quatro era genial no que fazia, e seria injusto destacar um, de entre os outros três. Desde as transições pizzicato para arco (e vice-versa), dos slaps e demais "invenções" no contrabaixo, por parte do Carlos Bica, passando pelas batidas ora frenéticas, ora calmas, ora dixie, ora avant-garde, do José Salgueiro, pelas técnicas, efeitos de ruído e de som, agudos e graves, tremolos, distorções e demais genialidade (eu vou repetir muitas vezes esta palavra) do Mário Delgado, a acabar na fluidez e naturalidade com que o João Paulo Sousa tocou cada um dos seus instrumentos (particularmente o acordeão, nas partes dificílimas que fez parecer tão fáceis e suaves de executar). Era tudo como devia ser sempre. Iceland, Believer, White Vivaci, Um Balão na Cama do Faquir, Roses For You, são apenas alguns dos temas de cujo nome me recordo. Qualquer um deles brutal, grande, espectacular. E esses adjectivos de apreço e de reconhecimento de uma qualidade acima da média.
Viram-se senhoras a abanarem-se freneticamente ao som de batidas, malhas e afins, que se costumam ver mais no rock do que no jazz, viram-se casais que se beijavam ao som da música, amigos que falavam, pessoas bêbedas que gritavam, do fundo da sala, "vai, Bica!, e "dá-lhe, Bica!", entre variados guinchos, gritos e manifestações vocais de reconhecimento pelo mérito dos músicos - às quais, dentro em breve, me juntei. Palmas, sempre muitas palmas, e três encores, ao que, no último, o próprio Carlos Bica alertou que não valia a pena ficarmos a bater palmas e a chamá-los, que eles precisavam de descansar a seguir.
Obviamente que a noite ainda me ofertou, extrema graciosidade do Nené ao abrir um saco de amendoins, um copo de whisky vertido sobre as calças, mas, enfim, sempre teve o seu não-sei-quê de divertido, e tal, essa parte fraterna e amável para com as minhas pernas.
Note-se que, depois do concerto, ainda fomos ao Trombone, onde o Vítor passava, precisamente, Carlos Bica, visivelmente triste por não ter podido ir. Nós relatamos a coisa. Não serve. Não é igual. Mas, eh, pá... Vítor, foi o que se arranjou. Para a próxima, apareça por lá.
E quando saímos da sala da BIR, a caminho do carro, a noite africana já tinha acabado e as pessoas da minha idade estavam todas com péssimo ar, à porta do salão, com os seus bonés e demais trajo à lá hip-hop gangsta, provavelmente desiludidos com a falta de piteuzinhos que aparecessem.

Para o ano há mais.

N.A.: na verdade, vai haver mais ainda este ano, mas este vosso prezado não deve já frequentar, em qualquer outro dos dias que ainda faltam, o festival. Portanto, no que me diz respeito, em princípio, só para o ano haverá, de facto, mais. Quanto aos da noite africana, esses devem ter mais bastante mais regularmente, por isso, não terão, também, de esperar um ano. Ok, é relativo, haver mais para o ano. Mas há. Também.

sábado, abril 12, 2008

Mogwai - Travel Is Dangerous



Back to this, it seems... at least, for a little while longer. Just bear with it.

quarta-feira, abril 09, 2008

A MENSTRUAÇÃO QUANDO NA CIDADE PASSAVA

A menstruação quando na cidade passava
o ar. As raparigas respirando,
comendo figos - e a menstruação quando na cidade
corria o tempo pelo ar.
Eram cravos na neve. As raparigas
riam, gritavam - e as figueiras soprando de dentro
os figos, com seus pulmões de esponja
branca. E as raparigas
comiam cravos pelo ar.
E elas riam na neve e gritavam: era
o tempo da menstruação.

As maçãs resvalavam na casa.
Alguém falava: neve. A noite vinha
partir a cabeça das estátuas, e as maçãs
resvalavam no telhado - alguém
falava: sangue.
Na casa, elas riam - e a menstruação
corria pelas cavernas brancas das esponjas,
e partiam-se as cabeças das estátuas.
Cravos - era alguém que falava assim.
E as raparigas respirando, comendo
figos na neve.
Alguém falava: maçãs. E era o tempo.
O sangue escorria dos pescoços de granito,
a criança abatia a boca negra
sobre a neve nos figos - e elas gritavam
na sombra da casa.
Alguém falava: sangue, tempo.

As figueiras sopravam no ar que
corria, as máquinas amavam. E um peixe
percorrendo, como uma antiga palavra
sensível, a página desse amor.
E alguém falava: é a neve.
As raparigas riam dentro da menstruação,
comendo neve. As cabeças das
estátuas estavam cheias de cravos,
e as crianças abatiam a boca negra sobre
os gritos. A noite vinha pelo ar,
na sombra resvalavam as maçãs.
E era o tempo.

E elas riam no ar, comendo
a noite,
alimentando-se de figos e de neve.
E alguém falava: crianças.
E a menstruação escorria em silêncio -
na noite, na neve -
espremida das esponjas brancas, lá na noite
das raparigas
que riam na sombra da casa, resvalando,
comendo cravos. E alguém falava:
é um peixe percorrendo a página de um amor
antigo. E as raparigas
gritavam.

As vacas então espreitando,
e nos focinhos consumia-se o lume em silêncio.
Pelas janelas os violinos
passavam pelo ar. E a menstruação nas raparigas
escorria pela sombra, e elas
gritavam e comiam areia. Alguém falava:
fogo. E as vacas passavam pelos violinos.
E as janelas em silêncio escorriam
o seu fogo. E as admiráveis
raparigas cantavam a sua canção, como
uma palavra antiga escorrendo
numa página pela neve,
coroada de figos. E no fogo as crianças
eram tocadas pelo tempo da menstruação.

Alimentavam-se apenas de figos e de areia.
E pelo tempo fora,
riam - e a neve cobria a sua página de tempo,
e as vacas resvalavam na sombra.
Em silêncio o seu lume escorria das esponjas.
Partiam-se as cabeças dos violinos.
As raparigas, cantando as suas crianças,
comiam figos.
A noite comia areia.
E eram cravos nas cavernas brancas.
Menstruação - falava alguém. O ar passava -
e pela noite, em silêncio,

a menstruação escorria pela neve.


Herberto Helder, A Máquina Lírica, in Ou O Poema Contínuo, Lisboa, Assírio & Alvim, 2004

terça-feira, abril 08, 2008

Considerações avulsas mas sobretudo cinematográficas na pastelaria Machado enquanto bebo um café e chove lá fora.

(antes de mais, estimo as pessoas já sem capacidade para notar que têm uma perna das calças por dentro dos sapatos e a outra por fora.)

talvez se justificasse fazer um remake do Yojimbo, com música do Ennio Morricone, ou pelo menos alguma coisa, a que inseriria na categoria de "filmes de homenagem". os western spaghetti são coisas que me interessam particularmente, em especial a trilogia "dollars/man with no name", de Sergio Leone, baseada e inspirada no brilhante Yojimbo - que, de resto, só sei ser brilhante por algumas imagens de captura de ecrã, que vi, e outras sinopses, blurbs, críticas e análises, que li - portanto, talvez preferisse fazer um western spaghetti, à imagem do que a Disney fez, com o primeiro Pirates of the Caribbean, para os tradicionais antigos filmes de piratas. sei que o Nick Cave escreveu um argumento há relativamente pouco tempo, para um filme deste género (western spaghetti), mas refiro-me a qualquer coisa que seja mais próxima, mais colada à ideia original, às premissas mais "puras" dos western spaghetti à lá Leone - os planos da câmara, o herói solitário e anónimo, nem bom nem mau: neutro, sem motivos ulteriores (ou, pelo menos, aparentemente sem eles), a vastidão e a solidão do deserto norte-americano, não sei até que ponto interpretações sociais, em detrimento do cinema-entretenimento.
talvez se justificasse um filme que fizesse os miúdos quererem brincar aos cowboys novamente, que revitalizasse a ideia de cadernetas e as colecções de cromos, de conjuntos de montar, de figuras de acção e de coleccionáveis caríssimos, pelos quais algumas pessoas dariam muito dinheiro. qualquer coisa que durasse, não fosse apenas um filme que se visse no cinema e mais tarde saísse em dvd/blu-ray/formato-de-vídeo-caseiro-à escolha e jogo de vídeo nas principais plataformas.
voltando ao filme que, na verdade, é o que interessa, não estas discorrências idiotas e nostálgicas, da minha parte: talvez chamasse ao projecto "Yojimbo", como o original, o primordial, mas fá-lo-ia passar-se no Oeste selvagem, num cenário típico de Leone, com uma personagem "eastwoodesca", anónima, rude, cujo passado e cuja história desconheçamos por completo. a música seria, se possível, algo muito - mas MUITO - similar à obra que Ennio Morricone compôs para este tipo de cinema (uma abertura sob o som de qualquer coisa, ainda que remotamente, parecida com alguma versão da música The Ecstasy of Gold saberia tão bem).
obviamente que estas ideias nunca se concretizarão, mas era um projecto que me seria particularmente querido. não tenho ideias para um argumento, mas é coisa na qual não me importaria, de facto, de trabalhar.
talvez se justificasse sonhar com isto, pelo menos por mim mesmo, caso isso me fizesse voltar a saber pensar/reflectir sobre o que quer que seja.
embora eu não perceba nada de cinematografia. não percebo muito de nada, no fundo.

(imaginar pôr-do-sol avermelhado ao fundo da pradaria deserta, e as letras The End, por cima, tremendo ligeiramente)

sábado, abril 05, 2008

No Telhado

Ela dizia que queria ser como o ar
que ele respirava: invisível, mas sem
ele K. havia de morrer. Terá medido o
alcance das despropositadas palavras
com que perturbou a paz do seu espírito?
Quem pode viver de ar apenas? À volta
de K. as árvores e as cidades, os lagos
e o rosto das pessoas. E tudo convidava
a abandonar o refúgio do ser que
em nós parece ter adormecido.
Pelas ruas íngremes das cidades
já meio esquecidas foi-se gastando
o juvenil entusiasmo com as divagações
da adolescência. Caiu a noite com o seu
terrível silêncio. Onde estás, perguntou K.
A quem se dirigia, a que fantasma? O
matracar magoado dos relógios, as gotas
de água que batiam no telhado da casa.
Continuarei a viver, disse K., mas quem,
ainda, quererá habitar a casa comigo?
Com quem partilharei o amor e o pão?


João Camilo, in O Som Atinge o Cimo das Montanhas, Entroncamento, Ovni, 2006

(Porque isto não pode ser sempre só música, vá...)

quarta-feira, abril 02, 2008

Foals - Balloons



Um dos grupos que tenho descoberto recentemente. Mais um. Just... enjoy or... whatever...