segunda-feira, fevereiro 23, 2009

As Palavras

Adiro a uma nova terra adiro a um novo corpo
É um corpo que se tornou palavra
Segue-se a narrativa das transições:
as palavras identificam-se com o asfalto
o tropel das nuvens
a espessura azul das árvores acesas pelos faróis
o rumor verde

As palavras saem de uma ferida exangue
de teclas de metal fresco
de caminhos e sombras
da vertigem de ser só um deserto
de armas de gume branco

Há palavras carregadas de noite e de ombros surdos
e há palavras como giestas vivas

Matrizes primordiais matéria habitada
forma indizível num rectângulo de argila
quem alimenta este silêncio senão o gosto de
colocar pedra sobre pedra até à oblíqua exactidão?

As palavras vêm de lugares fragmentários
de uma disseminação de iniciais
de magmas respiradas
de odor de gérmen de olhos

As palavras podem formar uma escrita nativa
de corpos claros

Que são as palavras? Imprecisas armas
em praias concêntricas
torres de sílex e de cal
aves insólitas

As palavras são travessias brancas faces
giratórias
elas permitem a ascensão das formas
elevam-se estrato após estrato
ou voam em diagonal
até à culpa diáfana

As palavras são por vezes um clarão no dia calcinado

Que enfrentam as palavras? O espelho
da noite a sua impossível
elipse
Saem da noite despedaçadas feridas
e são a minúscula luz das frestas
entre as pedras piramidais

António Ramos Rosa, in Gravitações, Lisboa, Litexa, 1983

sexta-feira, fevereiro 20, 2009

Coraline!!!

Após umas semanas de angústia, a pensar se de facto o Coraline ia acompanhar a estreia nacional aqui nas Caldas, e aparecer na sala dia 19 de Fevereiro (ontem), lá descobri que tal coisa ia suceder mesmo, e acabei por ir ver o filme com amigos (muito boa companhia, aliás) na sessão das 23:30. Não me apetece estar a perder muito tempo com explicações, com descrições, enfim, com ninharias que descreveriam o tempo que demorou até à entrada na sala, o café, que ainda fomos tomar à Praça 5 de Outubro, no Déjà vu, a pipocada, etc., portanto, digo só que o filme superou toda e qualquer expectativa que pudesse ter acerca dele. É uma experência espectacular, e em 3D, ainda mais.
Acho, no entanto, um bocado ridículo que a classificação etária restrinja o filme só a crianças dos 4 anos para baixo... porque não imagino que um miúdo de 5 ou 6 anos consiga ver o filme sem se assustar nalgumas partes e, sobretudo, não me parece que compreendessem grande parte da história (embora a versão que aqui esteja seja a versão dobrada em português, o que facilita pelo menos à compreensão do diálogo, embora levante outros problemas aos quais ligo bastante, nomeadamente a sincronização labial que os animadores têm tanto trabalho a fazer, para depois vir alguém que se mete a falar uma língua dessincronizada por cima, para além de que as vozes das dobragens parecem-me sempre ficar aquém das originais).
Aconselho vivamente o filme a qualquer pessoa, e informo que, destes filmes do circuito comercial, que tenho visto, é, não só o melhor filme que vi este ano, como um dos melhores que já vi nos últimos tempos. Não se deixem enganar pela aparência da coisa, que garantidamente não se trata de "bonecada para os miúdos". É uma experiência visual fantástica, ainda para mais se tivermos em conta que só foram usadas técnicas manuais, com nenhum auxílio a computadores, nem nada disso. E tudo o que eu pudesse dizer ia sempre ficar aquém de um dos melhores filmes que passou pelo cinema num tempo recente, portanto, comprem um bilhete para uma sala que fique perto, e tratem de ir ver o filme.

segunda-feira, fevereiro 16, 2009

Eu quero ir ver, e felizmente vem ao CCC!!!



A Valsa com Bashir, de Ari Folman, o primeiro "documentário animado" e, no fundo, um excelente filme de animação, pronto.

Se fosse possível, isto é para a Luísa (que sabe quem é, mesmo que todos os outros a confundam)


Tindersticks - Until the Morning Comes

uma boleia

Não me sinto nada inferior a uma pessoa com um doutoramento que se vire para mim e me pergunte:

"percebesteS?"

quarta-feira, fevereiro 11, 2009

Grinderman - No Pussy Blues




Sim. É o Nick Cave. E alguns Bad Seeds. Só por isso já valia a pena. Mas é uma coisa diferente, que vale por si só. Acreditem.

YEAH! I'm so politically hip-hop-funky today!


Blues Explosion* - Hot Gossip

* - anteriormente conhecidos como The Jon Spencer Blues Explosion (pré-2004).

terça-feira, fevereiro 10, 2009

"His name was Jason... and today is his birthday."



Sim. Eu gosto de um bom filmezinho de terror tradicional, de vez em quando. E, desta vez, o último capítulo da minha "saga" de filmes slasher de terror preferida: Sexta-feira 13. É verdade que é um remake do original, e tal, e parece que Hollywood anda a apostar demasiado em remakes de filmes de terror de série B (muitos deles, meus eternos favoritos, como The Texas Chainsaw Massacre, Halloween, entretanto vão fazer também do A Nightmare On Elm Street e do John Carpenter's The Thing), mas um remake, por inferior, que seja, em relação ao original, se tem o Jason Voorhees, ou, melhor, se tem o Jason E a Pamela Voorhees, eu quero ir ver.
E, com isto, continuo sem vontadinha nenhuma de ir ver os caríssimos nomeados Milk e Slumdog Millionaire. Que, apesar de tudo, ainda eram os únicos dois nomeados que me puxavam (arrisquei ver o Benjamin Button e o resultado foi o que se viu... cf. post anterior).

N.B.: Para sermos totalmente honestos, este Friday the 13th não é um remake per se, é uma outra coisa, que está também muito em voga por Hollywood hoje em dia, que são os reboots, isto é, reinícios de séries cujas premissas antigas são vistas como "gastas", para o que é hoje padrão e, em última análise, pedido pelos consumidores, ou, então, um "re-imaginar" do filme por um realizador que, querendo pegar na série, quer, no entanto, começar de novo à sua maneira e ao seu estilo, usando pouco mais que as personagens oficiais e alguma inspiração a nível de enredo (o primeiro filme que me recordo de ter feito isto foi o Batman Begins, que veio revitalizar a história do Batman no cinema, depois dos dois horríveis filmes realizados pelo Joel Schumacher, Batman Forever e Batman & Robin). Ainda assim, quero ver o filme. Vi o Freddy vs. Jason (outra coisa que parece estar em altas, cruzar personagens de filmes diferentes num filme só, vide Alien vs. Predator), com o Freddy Krueger do Pesadelo em Elm Street e o Jason Voorhees do Sexta-feira 13, e gostei, mesmo tendo tido a perfeita noção de que o filme, não sendo mauzinho, também não é sequer bom, portanto, corro, sem dúvida, o risco, com este remake/reboot/seja-lá-o-que-for.

quinta-feira, fevereiro 05, 2009

Afinal, também quero ir ver:




para além do Coraline, o Watchmen, porque, francamente, é baseado naquela que será quase de certeza a melhor banda desenhada de sempre, e porque me parece uma adaptação fidelíssima à "novela gráfica". Para os mais desatentos: Watchmen não é uma "história de heróis. É mais do que isso. Portanto, aconselho a que comprem a BD ou, pelo menos, que vão ver o filme, para que entendam. Quando muito, Watchmen será uma história de anti-heróis... mas é que mesmo essa definição seria redutora. Ou talvez não, se se ligar a esse tipo de filmes. Verdade seja dita, este terá o seu "quê" de filme de heróis. A ser como a BD, pelo menos. Mas era tão bom que se visse para além disso... porque a BD (e arrisco-me a dizer que também o filme) vai para além disso. Mesmo que o filme não esteja nomeado para nenhum Oscar. Que não seja um Milk nem um Slumdog Millionaire que, esses, sim, me cansam, de tão exageradamente publicitados para o valor real que têm.

P.S.: E o Estranho Caso de Benjamin Button decepcionou-me a vários níveis. Por esperar mais do realizador e por esperar mais da adaptação de um dos contos mais geniais que já li. Adaptação, aliás, que não vai buscar nada mais, ao conto, que os nomes das personagens, o que é lamentável, porque transformaram uma reflexão sobre o tempo e a idade num romance pejado de moralismos fáceis à lá Forrest Gump e de humorzinho de ocasião, aliados a uma forma de contar a história que só me fez lembrar o Big Fish, do Tim Burton, o filme todo. O que seria bom, se fosse um filme do Tim Burton. Sem os moralismozinhos. Basicamente, David Fincher vendeu-se para dar uma imagem mais amiga da família, e o argumentista transformou um conto de F. Scott Fitzgerald num romancezito do Nicholas Sparks.

domingo, fevereiro 01, 2009

excertos, citações, falta de vida própria:


Tom Waits* - Crossroads

"- isso, Norah Jones, ou lá o que é, nem sequer é jazz.
- é as coisas comerciais, pá!
- coisas comerciais como o quê?
- comerciais... tipo o Pingo Doce e o Feira Nova e... e isso. E o capitalismo."
"- eu hoje já não bebo mais nada, que estou com carro.
- estás com carro mas não vais a conduzir.
- ya, mas o carro é meu, não é?"
"- ih, c'a frio! C'a friiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiio, pá!"
"- aquilo ali fora era o Ferro, não era?
- não sei... mas o gajo viu-nos? Se calhar, para a próxima, temos de arranjar um lugar longe da janela.
- não sei se o gajo nos viu. Mas era ele? Ia no carro do Zé das Águas?"

* Tom Waits é sempre grande amigo e compincha de noites de grande beberagem. Particularmente se o álbum em questão também inclui letras e participação verbal de William S. Burroughs. Que é o caso: álbum - The Black Rider.