quarta-feira, março 30, 2011

once again, with feeling

É verdade que "estamos velhos para ler e fazer poesia como líamos e fazíamos". Agora, "temos todo um conhecimento por trás, a poesia que nos sai tem de ser mais completa, tem de servir um propósito mais iluminado, mais esclarecido, temos outros conhecimentos, outras vivências, e a poesia não é para ser banalizada". Tudo bem. Não deixa de ser verdade. Mas sinto uma falta imensa, tremenda, mesmo, de escrever poesia e de ler poesia como lia, como escrevia. É terrível, para mim, ter perdido um grupo de amigos que escreviam poesia (e era mesmo poesia, a sério que era, não eram só umas coisitas que se iam escrevendo e mostrando), um verdadeiro grupo criativo, onde íamos crescendo enquanto poetas e enquanto pessoas, vendo bem as coisas.
Desde que voltei à faculdade, não se encontra um indivíduo que demonstre verdadeiro interesse por isso. Acredito, talvez no auge da minha tão bem sabida ingenuidade perante as coisas, que existirão por lá pessoas que gostem de poesia, que escrevam as suas coisas, que mantenham blogs, mas esta geração mais nova (os que entraram este ano são de 92) tem-me desiludido bastante. A vários níveis. Não é que não se interessem, simplesmente não parecem interessados naquilo que é a espinha dorsal do curso em que estão - e em questão: falo das pessoas do meu curso, Línguas, Literaturas e Culturas (Línguas e Literaturas Modernas, ainda quando entrei nele pela primeira vez), independentemente da variante escolhida... essas pessoas deviam, pelo menos, ter um mínimo interesse por literatura, julgo eu, ainda que mal, se calhar, mas deviam. E isto não é só poesia, está certo, mas é também, correcto? Ou não? Enfim, tendo uma predilecção por poesia, não descarto nem descuro nem desgosto da prosa. Gosto de ambas. E de escrita dramatúrgica, teatro, claro. Tudo. Não gosto é do que passa por ser literatura, e vejo toda a gente só a falar disso, como se a fosse. Falam do Harry Potter (da J.K. Rowling, aliás, ainda que nunca a refiram), do Dan Brown, do Miguel Sousa Tavares, como se isso fosse a verdadeira literatura, é possível, até, que nunca tenham lido nada que realmente valesse a pena. E isto é triste, é muito triste, para mim, pelo menos.
Tento falar com pessoas que vou conhecendo mas isso já nem é assunto que interesse, numa conversa. Não lhes interessa que tenha blogs ou cadernos, não estão interessados em ver os meus mais recentes textos, como outras pessoas, noutro tempo, no mesmo lugar, estiveram... as únicas pessoas que ainda vão escrevendo e editando (através de editoras online, estilo do it yourself, como a Lulu ou a EuEdito), escrevem, para ser directo, mal, com erros e sem coerência nem maturidade, ainda com um narcicismo muito vigoroso do qual não querem abdicar, por se recusarem à tal partilha edificante de textos, antes de os terem em formato livro. E, pronto, "estas" pessoas resumem-se a "esta" pessoa, um amigo de filosofia que, apesar de tudo, lê coisas boas, embora prefira falar de filmes, de drogas, de música, de mulheres, de carros, enfim... quase tudo, antes de se esgotar o assunto e falar de poesia.
Muito sinceramente, é possível que esse grupo a que pertenci fosse imaturo e infantil demais, talvez a nossa poesia de então ainda precisasse de crescer, se calhar alguns dos elementos desse quarteto original estejam melhor assim, evoluindo na sua individualidade de académicos e estudiosos, e desejo-lhes, com toda a honestidade, o melhor. Contudo, estes, que entraram agora, ainda estariam no "direito" de escrever e ler com a inocência que nos foi própria, com aquele encanto, a dádiva da poesia em conjunto, a maravilha de ler um poema novo de um amigo, a alegria de uma coisa nossa, individual e comum. Estariam no "direito" de não ser educados, maduros, formados pela escola e pela vida, de ainda se encantarem com o fazer poesia, com o ler poesia, sem análises, sem teorias do Bernstein ou do Adorno ou do Benjamin ou do Heidsieck ou do Alberto Pimenta ou do Steiner por trás, só as teorias do amor à arte, só a paixão pelas palavras, pelas imagens, pelas figuras de estilo, pela fluência dessa coisa maior da qual nos tornamos veículos. Claro que importam esses teóricos, esses linguistas, esses estudiosos, esses académicos, claro que sim, e não o digo com ironia, digo-o com franqueza, mas, na minha humilde perspectiva, demasiada instrução e teorização acaba por destruir o espírito "nobre" e "original" a que essa poesia despretensiosa se propõe. A própria Doris Lessing, no prefácio ao seu The Golden Notebook, alega ter desistido da escola com 14 anos, de achar que tinha perdido muito, numa fase da sua vida, e ter voltado a estudar, a frequentar seminários, leituras, apresentações, só para se aperceber que, afinal, estava a fazer melhor, sem toda aquela carga excessiva de teorias e de explicações académicas, que tudo aquilo era fastidioso, fatigante e, no fim de contas, não servia para nada. Enfim, estes jovens estavam em condições de, de uma forma limpa e revigorante, olharem para a poesia e escreverem a poesia, amarem-na, admirarem-na, não como coisa que criaram, mas como algo maior, que saiu deles, que passou por um processo de "filtragem", em que o "filtro" foram eles, autores do poema, poetas. É sobretudo isto que me dói.
Percebo que os meus antigos companheiros de poesia e de amizade já não estejam dispostos à minha forma "não-evoluida", imatura, infantil, estagnada, até, se quisermos, de ir fazendo poesia, mas estas novas pessoas não estão nesse caso e, no entanto, parecem velhos fora de tempo, a viver as suas vidas sem interesse, a ir às compras, a conversar acerca da Lady Gaga e da Katy Perry e de um sem-número de bandas de rock indie que não ficarão para a história, porque são todas, sem excepção, iguais entre si, a trabalhar para o curso "porque tem de ser"... mas ler, nada. Muito menos falar disso.
A namorada de um amigo, em jeito ofensivo, diz-lhe que ele vai ser "especialista em papéis", explicando de forma clara o que os jovens de hoje acham em relação ao nosso curso. Não é preciso amor a nada, nem gostar de ler nada. A única coisa que nos resta é aprender umas teorias, saber relacionar uns conceitos, ter pensamento lógico e abstracto e decorar umas regras linguísticas, saber fazer ensaios e recensões e teses. Porque um especialista em papéis não precisa de gostar de poesia.