quarta-feira, agosto 24, 2011

velhice mental, ou prudência? ah, porra...

É possível que esteja a ficar velho. Bem, é pelo menos possível que esteja a ficar chato, um bocadinho velho antes de tempo... tenho amigos mais velhos que eu que não são tão chatos, tão peremptórios, que prezam uma liberdade em tudo. E o que me irrita um bocado é que também já fui assim. Mas vou sendo cada vez menos, pronto. Não vale a pena discorrer sobre isso. A minha pessoa de hoje é assim, é isso, por mais que me irrite, que me aborreça. E que aborreça outros, que me rodeiam.
A verdade é que só há dias dei por um fenómeno musical recente em Portugal, uns tais de Amor Electro, que se apresentam como banda Pop, Alternativa, Electrónica e demais rótulos desses que se usam para referir a música, hoje em dia. Ora, os Amor Electro são um desses super-grupos do pop electro que se tem vindo a fazer em Portugal desde meados dos anos noventa, e em particular desde 2000, com bandas como os The Gift, os Mesa, os Donna Maria (cuja ex-vocalista, Marisa Pinto/Marisa Liz é a actual vocalista dos Amor Electro) e, em certa medida, os próprios Clã e projectos que deles saíram (Humanos, etc). Ouvindo Amor Electro ou qualquer uma destas outras bandas (quase de certeza que há mais, estas são apenas as de que me recordo) vai dar ao mesmo. O som é o mesmo, uma melodia envolta em batidas electrónicas, senhoras com vozes muito soul, muito fado, citando os mesmos exemplos estrangeiros (Air, Massive Attack, Portishead, etc), referindo sempre a mesma originalidade, sempre a mesma certeza absoluta de estarem a fazer "qualquer coisa diferente" no panorama musical português.
No myspace da banda Amor Electro alguém referia que o seu single, "Máquina", é uma música arrasadora, genial, que não cansa. Isto lembrou-me dos comentários idênticos a, por exemplo, singles dos Mesa ("Luz Vaga") ou dos próprios Donna Maria ("Quase Perfeito"). Ora, essas faixas, anos passados sobre elas, são coisas que analisamos com alguma distância como eventos que inundaram as rádios durante meses, que "não cansavam", que "eram geniais", que "nunca se tinha ouvido nada assim", mas que, com o passar do tempo, simplesmente desapareceram do ar e das lembranças do público. Há, com certeza, fãs dessas bandas que ouvem os cds, mas são uma minoria, porque o público-alvo desse tipo de música acaba por ser aquele género de pessoa que ouve uma musiquinha no carro, a caminho do emprego, ou num jantar de amigos, de volta de uns copos de qualquer coisa alcoólica, enquanto se fala de economia, de roupa, dos filhos ou da falta dos mesmos, da colega de trabalho que não devolveu uns óculos de sol emprestados, e por aí fora. Claro que, não sendo preclaro, não podendo prever o futuro, tudo isto não passam de conjecturas, da minha parte, e é possível que estes senhores fiquem para a história, façam uma pequena carreira. Sim, é possível, os já referidos The Gift, pais deste tipo de música, em Portugal, aí continuam, a lançar cds com cada vez mais valor de produção (embora não necessariamente qualidade), e os seus singles do passado são parte integrante de um repertório factual da música pop que ficou inscrita na história recente da memória musical. Mas, com toda a franqueza, não me parece. Porque os coloco ao mesmo nível dos outros, de Mesas e Donnas Marias e outros que tais. A questão da efemeridade da música pop já é largamente debatida por quem tem mais direito e propriedade para o fazer, do que eu, portanto, tentarei entrar por esse caminho o menos possível, sendo, contudo, óbvio que isso explicaria muita coisa a este respeito. Coisas que estavam em voga há uns seis, sete anos, já não são lembradas por ninguém, a menos que fizessem parte daquele lote de coisas próprias da nostalgia que, "de tão más, são boas". Até no dia-a-dia nos podemos aperceber disso, olhando para o agora. Os Deolinda, por exemplo, misturando também o fado com algum jazz e música tradicional, resultando num pop mais tradicional, onde o fado assume o papel principal, já tiveram o seu pico de popularidade e estão assumidamente a desvanecer. A seguir às manifs "À Rasca", que por aí grassaram, e que, até ver, não passaram de um fenómeno mediático que os media acarinharam e levaram ao colo até onde puderam (manifs, essas, que funcionaram sempre em torno do tema dos Deolinda, "Parva Que Sou"), a banda tem estado a desaparecer por entre os tecidos do tempo, para ficar, por exemplo (porque não?), na condição de projectos como os Rio Grande ou os mais recentes Cabeças no Ar.
É claro que as bandas que ouço, desde Belle Chase Hotel a Man Man, de Morphine a Sonic Youth, de Menomena a Dead Combo, podem nunca ficar para a história. Estão nas mesmas condições. Só que o público-alvo deles raramente foi algum. Eles quiseram/querem fazer a música que lhes apetece, tentando trazer algo de novo ao oásis de criação que o pós-modernismo nos oferece, com tantos limites abertos, que acaba por no-los fechar todos, também. E, convenhamos, os verdadeiros fãs destes grupos não se comportam como fãs casuais do pop electrónico português. Esse tipo de fãs limita-se a acompanhar os fenómenos, enquanto o verdadeiro apreciador de uma banda (coisa que julgo ser apenas possível se a qualidade da banda for boa) tem sempre em mente o trabalho discográfico ao longo dos anos, no seu todo. Para além disto, tenho a decência de saber gostar dos verdadeiros mestres consagrados da música erudita/clássica e do jazz, nomes que vão muito para além de hits de rádio e um ou outro jovenzinho a querer ser adulto que proclama "esta música é genial e não cansa nunca!"
Devo deixar que seja a história a julgar os Amor Electro, os Deolinda, os Mesa, os Donna Maria. Devo. Mas creio que o seu caminho irá, invariavelmente, desembocar nesse tecido temporal reservado às coisas que se esquecem. Que talvez se ouçam de vez em quando, passados uns anos, numa situação ocasional, sem entusiasmo e apenas uma ou duas vezes.
Para terminar, deixo só uma nota, em jeito de ironia, para quem o quiser entender assim, ou em jeito de afirmação verdadeira e sincera, para os que se quiserem manter zen e ingénuos, sem ofensas contra ninguém, que nada disto é para levar a sério. A contemporaneidade é uma velocidade constante e sempre maior, imparável, e pedir que se procure a qualidade, ao invés da quantidade célere e efémera dos dias de hoje, é apenas estúpido. Não sejam estúpidos, pois. Não façam caso. Gastem tempo com tudo o que não vale a pena.