terça-feira, abril 24, 2012

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perdoem-me aqueles para quem isto é uma traição à imagem fiel que fazem de mim - e que deixei que fizessem, que quis que fizessem durante tantos anos -, mas há coisas que mudam. apesar de tudo, há coisas que mudam, senão não se sobrevive.
tenho ainda um espaço de vida muito curto - uma deslocação no espaço muito curta, ocupa pouco espaço no tempo - mas estou demasiado enfraquecido. há quem se salvaguarde antes e não viva nada, depois. eu vou vivendo, mas, como não tomo as precauções que seriam necessárias, ao princípio, tenho de as tomar no fim. não se assustem, aqueles que me tomam pelo "eterno apaixonado", que fica anos e anos a sofrer pela mulher que amou. isso ainda é o que se passa. há é outra coisa que se passa, por cima disso, por cima do essencial. antes de mais dá-se que no pouquíssimo espaço de tempo que a minha vida tem, toda a sua história podia ser contada através de sofrimento por mulheres. e, como é sabido, todas as pessoas atingem o seu ponto de saturação. o meu é este. foi este, há uns tempos atrás. claro que continuo a sofrer e a angustiar-me por causa das últimas mulheres que amo/amei. claro. mas mais vale fingir que respeito as suas decisões - a meu ver, estúpidas e mesquinhas - de me deixarem, de me abandonarem. que posso eu fazer, senão "respeitar" isso? "aceitar" isso? não tenho propriamente palavra a dizer, não sou, nunca quis ser, nunca sequer me propus ser dono de ninguém. é a escolha de uma das partes, a parte que decide, que escolhe - a escolha nunca me coube nem cabe a mim, é um facto a que já me habituei há anos. respeito, finjo que respeito, aceito, que remédio, as suas decisões. e obrigo-me a sentir aliviado, "livre", sem o "peso" de vários factores. e, depois, tento enganar e vou conseguindo enganar o meu coração doente e deficiente com outras pessoas, com as quais isto nunca vai dar em nada, mas ao menos dá para ir tendo umas dorezitas mais pequenas, uns encantos mais pequenos, com que distrair o vazio do amor.
chamem-me nomes, se acharem que é isso que mereço. isto continua igual, só tem um mecanismo de salvaguarda a operar à superfície.

segunda-feira, abril 23, 2012

cê cedilhado

sobretudo não deixar de te amar, porque não dá. diz-se muitas vezes que "quando isto é a sério, não dá para desligar" e nós, que não lidamos bem com frases feitas, ficamos irritados, pensamos imediatamente que talvez até dê, tem de dar, caramba! mas não dá, nunca dá. podes afastar-te, se achas - se sentes, acima de tudo - que é isso que deves fazer, que é isso que devemos fazer. onde quer que estejamos, por mais longe que fiquemos, ao menos aqui vou dizendo que gosto mais de ti, hoje, do que ontem. aqui, querida, posso-te chamar de "meu amor". o que guardas, o que tens, o que dás só por seres "assim", só por seres isso tudo, só por seres a [inserir nome], que és, é imenso, é indizível. e amo-te, lamentavelmente, ou não. há dias em que não, sabes? há dias em que vale a pena amar-te só porque sim.

terça-feira, abril 17, 2012

lagostim

(tudo faz tanto ruído, em certas alturas, era melhor que se resumisse a essência das pessoas a qualquer coisa como um casaco, estar aqui sozinho, nunca ter conhecido outra forma de estar, toda a gente ter sido gatos, cães, periquitos, um cágado. não me doer a cabeça, não me doer o coração, poder comprar gelados e bolos em pastelarias desertas, muitos milénios depois de toda a gente ter desaparecido. não ter tido o convívio com o roncar dos aparelhos de ar-condicionado, com os olhares dos outros a não me deixarem chorar, sempre aquela peninha, aquela compaixão, mas sem nunca me virem abraçar, sem nunca me oferecerem um cigarro, e assim.)

segunda-feira, abril 16, 2012

s

(tudo devia ser tão fácil. pedem-nos dinheiro, pedem-nos comportamentos sociais, uma consciência, uns valores, aqui e ali. e complicamos tudo, e, sobretudo, angustia-me ainda mais que quase toda a gente se vá contentando com a "segurança", em vez de procurar, de facto, a felicidade, porque a felicidade pressupõe uma exposição e uma fragilidade.)

não te vás embora, pode ser?

sexta-feira, abril 06, 2012

m

Sinto, por vezes, que devia sentir a tua falta e, nessas ocasiões, sinto-a. Não é que goste mais de quem quer que seja de quem esteja a gostar, agora (a amar, é o verbo acertado), do que gostei (amei, é o verbo certo) de ti. É só que complicámos tanto as coisas que, infelizmente, em certas alturas nem sei bem o que foi que tivémos. Gosto de pensar que foi bom, mesmo esta coisa mais para o final, que se arrastou tanto tempo (e a culpa de não o ter sabido ver mais cedo foi inteiramente minha), em que provavelmente te amava sem que ainda me amasses, já. Ou amavas, sim, de uma maneira própria que, no meu egoísmo, não consegui ou soube ver.
Não adianta de nada lamentar as coisas, dizem-me, "não há volta a dar", "estás melhor assim". Todos os dias tento convencer-me disso. Que se trata de um desígnio universal, um alinhamento cósmico, uma espécie de destino. Fui feliz contigo. Por isso arrependo-me. Todas as coisas bonitas que te disse eram verdade de todas as vezes em que tas disse. Tens música e poesia em ti. És linda. 
A sério, deixem-me arrepender disto... por favor. Poupem-me às considerações muito correctas da racionalidade. Eu amei uma pessoa que tocava violino e cantava. Que me comprava xaropes e comprimidos quando eu adoecia. Que me fazia companhia em casa, numa casa que já nem sequer existe, para mim. Mas foi a minha casa durante dois anos e pouco, albergou-me a mim e a um amor tantas vezes doentio, doente, mas um amor.
Há dias em que chove e me canso de ser assim, julgo que seria melhor livrar-me do amor de uma vez por todas, não conhecer mais mulheres, não falar mais com mulheres, não as deixar aparecer na minha vida e fazerem, sem quererem, sem o saberem, com que me apaixone por elas. Ainda sinto que tenho tempo e que há pessoas que valem a pena o meu investimento emocional, mas cada dia que passa a minha paciência decresce, inversamente proporcional ao que sinto em relação ao tempo que tenho para as pessoas que valem a pena.
Ainda sinto que tenho tempo e por mais que queira que isto não fosse assim, há sempre uma mulher a seguir a outra, que me prende e a quem preciso de me prender e desperdiçar mais uns meses antes de ponderar seriamente desistir disto tudo, ou até (que às vezes calha) essa pessoa decidir ficar comigo durante uns tempos, nunca correspondentes ao sempre que eu queria de todas as vezes.