terça-feira, outubro 23, 2012

nhó nhó nhó

Quando olho para os poetas da minha geração fico só triste, porque estou entre os poetas da minha geração e, quando olho para eles, estou ali também. E nem sequer sou poeta, nem sei bem o que é a minha geração. A minha geração limita-se a ser um perpetuar das outras gerações anteriores, não tem uma voz própria nem está preocupada com isso. E eu não tenho uma voz própria e não estou preocupado com isso.
O maior poeta da minha geração é o Fernando Pessoa, é o Eugénio de Andrade, é o Herberto Helder, é o Ruy Belo, é o Mário Cesariny, é a Sophia de Mello Breyner Andresen, é a Fiama Hasse Pais Brandão, é a Adília Lopes, é o Nuno Júdice, é o Gastão Cruz, é o Al Berto, é o Daniel Faria. Todos estão ou mortos ou a escrever o mesmo (com as devidas variações, obviamente) há décadas, mas os novos poetas limitam-se a viver e a pensar e a escrever à sombra desses nomes. "O Pessoa é o melhor - o maior - poeta de sempre". O Pessoa é bom, mas o Pessoa era o Pessoa, esteve no seu tempo (nem sequer fora dele, nem sequer à frente dele; quando muito, atrás do seu tempo, com as anacrónicas e bafientas incursões poéticas de Ricardo Reis e, em certa medida, Alberto Caeiro), ficou para sempre mas é um produto do seu tempo. Não são precisos mais Pessoas, mais Ruys Belos. São precisos Narcisos Homem, Óscares Pedroso, Luíses Almeida, Ritas Silva. Os John e Jane Doe deste mundo.
A nova voz poética não deve nem pode saber a mofo. Cheirar a pó. A nova voz poética deve romper com isso. Não ser pretensiosa, não ter certeza de ter, em si, a qualidade e o valor que a fazem ser a nova voz poética. A voz poética de hoje fala e ouve-se, como sempre, na clandestinidade. Faz-se nos blogs, faz-se nos cadernos que ninguêm (ainda) lê. Não se faz (maioritariamente, entenda-se, porque excepções existem) nos livros editados com toda a facilidade e analisados por críticos que gabam a textura, a hermenâutica, o tão bom e precioso "beber aos clássicos".
Um poeta, por uma questão de amor e interesse, deve conhecer os clássicos. Saber quem foram, o que fizeram, que relevância têm ou tiveram. Mas um poeta - qualquer indivíduo, aliás - não deve confundir cânone e qualidade com sensilbilidade. O poeta é um produto do seu tempo, não tem de amar loucamente o Dostoievsky só porque sim. Porque o Dostoievsky é bom, mas o que diz, por mais universal que seja, está cristalizado numa conjuntura e numa época específicas. E o Dostoievsky tem qualidade e está no cânone literário, mas não tem, necessariamente, que apelar à sensibilidade de quem nasceu, por exemplo, cinquenta anos depois dele. E quem diz Dostoievsky diz qualquer outro autor.
O poeta tem de procurar a sua voz, sabendo, no entanto, que é impossível não se ser derivativo. Vieram pessoas, antes, que nos influenciaram a todos, e o filtro que o poeta acaba por ser, entre a "poesia pura" e a "vida real" está sempre "corrompido", sempre sujeito a condições. Mas é possível procurar uma voz no meio disto. O conjunto de idiossincrasias de cada autor (essas pequenas "corrupções" e influências externas) são o que lhe dá genuidade e propriedade. É nisso que os novos poetas devem pegar. Não tentar ser uma imitação total de alguém morto, mas usar o que pode, desse alguém, e acrescentar o que tem a dizer, estando vivo no século XXI.
Deve, reitere-se, ler e conhecer os clássicos. Saber com legitimidade quem é Dante e Shakespeare e Victor Hugo e Joyce e Poe e Pessoa e Camões, claro. E Dostoievsky. E Gorky. E Gogol. Claro. Todos. Mas recusar-se aos juízos "soberanos" dos críticos e dos académicos, se se submete aos mesmos "só porque sim". Saber que o Kafka é bom, mas poder reconhecer que O Processo é melhor que A Metamorfose, se é isso que a sensibilidade contemporânea e/ou individual diz. E ler. Ler O Processo. Ler A Metamorfose. Ler o Crime e Castigo. Para não se guiar pelas sinopses baratas da wikipédia (ou, melhor, mas nem por isso perfeitas, da wikipedia [/wɪkɨˈpiːdiə/]), nem deixar que o Google seja o poeta ou a voz poética dos dias de hoje.

quarta-feira, outubro 10, 2012

não vás dizer

dou por mim sempre abandonado no mesmo sítio, com o mesmo livro e os mesmos cadernos, sempre com as mesmas coisas para dizer e a única coisa que sei fazer é doer-me sozinho a mim mesmo.