Quando olho para os poetas da minha geração fico só triste, porque estou entre os poetas da minha geração e, quando olho para eles, estou ali também. E nem sequer sou poeta, nem sei bem o que é a minha geração. A minha geração limita-se a ser um perpetuar das outras gerações anteriores, não tem uma voz própria nem está preocupada com isso. E eu não tenho uma voz própria e não estou preocupado com isso.
O maior poeta da minha geração é o Fernando Pessoa, é o Eugénio de Andrade, é o Herberto Helder, é o Ruy Belo, é o Mário Cesariny, é a Sophia de Mello Breyner Andresen, é a Fiama Hasse Pais Brandão, é a Adília Lopes, é o Nuno Júdice, é o Gastão Cruz, é o Al Berto, é o Daniel Faria. Todos estão ou mortos ou a escrever o mesmo (com as devidas variações, obviamente) há décadas, mas os novos poetas limitam-se a viver e a pensar e a escrever à sombra desses nomes. "O Pessoa é o melhor - o maior - poeta de sempre". O Pessoa é bom, mas o Pessoa era o Pessoa, esteve no seu tempo (nem sequer fora dele, nem sequer à frente dele; quando muito, atrás do seu tempo, com as anacrónicas e bafientas incursões poéticas de Ricardo Reis e, em certa medida, Alberto Caeiro), ficou para sempre mas é um produto do seu tempo. Não são precisos mais Pessoas, mais Ruys Belos. São precisos Narcisos Homem, Óscares Pedroso, Luíses Almeida, Ritas Silva. Os John e Jane Doe deste mundo.
A nova voz poética não deve nem pode saber a mofo. Cheirar a pó. A nova voz poética deve romper com isso. Não ser pretensiosa, não ter certeza de ter, em si, a qualidade e o valor que a fazem ser a nova voz poética. A voz poética de hoje fala e ouve-se, como sempre, na clandestinidade. Faz-se nos blogs, faz-se nos cadernos que ninguêm (ainda) lê. Não se faz (maioritariamente, entenda-se, porque excepções existem) nos livros editados com toda a facilidade e analisados por críticos que gabam a textura, a hermenâutica, o tão bom e precioso "beber aos clássicos".
Um poeta, por uma questão de amor e interesse, deve conhecer os clássicos. Saber quem foram, o que fizeram, que relevância têm ou tiveram. Mas um poeta - qualquer indivíduo, aliás - não deve confundir cânone e qualidade com sensilbilidade. O poeta é um produto do seu tempo, não tem de amar loucamente o Dostoievsky só porque sim. Porque o Dostoievsky é bom, mas o que diz, por mais universal que seja, está cristalizado numa conjuntura e numa época específicas. E o Dostoievsky tem qualidade e está no cânone literário, mas não tem, necessariamente, que apelar à sensibilidade de quem nasceu, por exemplo, cinquenta anos depois dele. E quem diz Dostoievsky diz qualquer outro autor.
O poeta tem de procurar a sua voz, sabendo, no entanto, que é impossível não se ser derivativo. Vieram pessoas, antes, que nos influenciaram a todos, e o filtro que o poeta acaba por ser, entre a "poesia pura" e a "vida real" está sempre "corrompido", sempre sujeito a condições. Mas é possível procurar uma voz no meio disto. O conjunto de idiossincrasias de cada autor (essas pequenas "corrupções" e influências externas) são o que lhe dá genuidade e propriedade. É nisso que os novos poetas devem pegar. Não tentar ser uma imitação total de alguém morto, mas usar o que pode, desse alguém, e acrescentar o que tem a dizer, estando vivo no século XXI.
Deve, reitere-se, ler e conhecer os clássicos. Saber com legitimidade quem é Dante e Shakespeare e Victor Hugo e Joyce e Poe e Pessoa e Camões, claro. E Dostoievsky. E Gorky. E Gogol. Claro. Todos. Mas recusar-se aos juízos "soberanos" dos críticos e dos académicos, se se submete aos mesmos "só porque sim". Saber que o Kafka é bom, mas poder reconhecer que O Processo é melhor que A Metamorfose, se é isso que a sensibilidade contemporânea e/ou individual diz. E ler. Ler O Processo. Ler A Metamorfose. Ler o Crime e Castigo. Para não se guiar pelas sinopses baratas da wikipédia (ou, melhor, mas nem por isso perfeitas, da wikipedia [/wɪkɨˈpiːdiə/]), nem deixar que o Google seja o poeta ou a voz poética dos dias de hoje.