domingo, novembro 04, 2012

ao menos os miúdos ainda me vão vendo com admiração e um desejo de serem um dia iguais a mim. e não sabem, não lhes passa pela cabeça que, tirando a namorada, não querem, de facto.

terça-feira, outubro 23, 2012

nhó nhó nhó

Quando olho para os poetas da minha geração fico só triste, porque estou entre os poetas da minha geração e, quando olho para eles, estou ali também. E nem sequer sou poeta, nem sei bem o que é a minha geração. A minha geração limita-se a ser um perpetuar das outras gerações anteriores, não tem uma voz própria nem está preocupada com isso. E eu não tenho uma voz própria e não estou preocupado com isso.
O maior poeta da minha geração é o Fernando Pessoa, é o Eugénio de Andrade, é o Herberto Helder, é o Ruy Belo, é o Mário Cesariny, é a Sophia de Mello Breyner Andresen, é a Fiama Hasse Pais Brandão, é a Adília Lopes, é o Nuno Júdice, é o Gastão Cruz, é o Al Berto, é o Daniel Faria. Todos estão ou mortos ou a escrever o mesmo (com as devidas variações, obviamente) há décadas, mas os novos poetas limitam-se a viver e a pensar e a escrever à sombra desses nomes. "O Pessoa é o melhor - o maior - poeta de sempre". O Pessoa é bom, mas o Pessoa era o Pessoa, esteve no seu tempo (nem sequer fora dele, nem sequer à frente dele; quando muito, atrás do seu tempo, com as anacrónicas e bafientas incursões poéticas de Ricardo Reis e, em certa medida, Alberto Caeiro), ficou para sempre mas é um produto do seu tempo. Não são precisos mais Pessoas, mais Ruys Belos. São precisos Narcisos Homem, Óscares Pedroso, Luíses Almeida, Ritas Silva. Os John e Jane Doe deste mundo.
A nova voz poética não deve nem pode saber a mofo. Cheirar a pó. A nova voz poética deve romper com isso. Não ser pretensiosa, não ter certeza de ter, em si, a qualidade e o valor que a fazem ser a nova voz poética. A voz poética de hoje fala e ouve-se, como sempre, na clandestinidade. Faz-se nos blogs, faz-se nos cadernos que ninguêm (ainda) lê. Não se faz (maioritariamente, entenda-se, porque excepções existem) nos livros editados com toda a facilidade e analisados por críticos que gabam a textura, a hermenâutica, o tão bom e precioso "beber aos clássicos".
Um poeta, por uma questão de amor e interesse, deve conhecer os clássicos. Saber quem foram, o que fizeram, que relevância têm ou tiveram. Mas um poeta - qualquer indivíduo, aliás - não deve confundir cânone e qualidade com sensilbilidade. O poeta é um produto do seu tempo, não tem de amar loucamente o Dostoievsky só porque sim. Porque o Dostoievsky é bom, mas o que diz, por mais universal que seja, está cristalizado numa conjuntura e numa época específicas. E o Dostoievsky tem qualidade e está no cânone literário, mas não tem, necessariamente, que apelar à sensibilidade de quem nasceu, por exemplo, cinquenta anos depois dele. E quem diz Dostoievsky diz qualquer outro autor.
O poeta tem de procurar a sua voz, sabendo, no entanto, que é impossível não se ser derivativo. Vieram pessoas, antes, que nos influenciaram a todos, e o filtro que o poeta acaba por ser, entre a "poesia pura" e a "vida real" está sempre "corrompido", sempre sujeito a condições. Mas é possível procurar uma voz no meio disto. O conjunto de idiossincrasias de cada autor (essas pequenas "corrupções" e influências externas) são o que lhe dá genuidade e propriedade. É nisso que os novos poetas devem pegar. Não tentar ser uma imitação total de alguém morto, mas usar o que pode, desse alguém, e acrescentar o que tem a dizer, estando vivo no século XXI.
Deve, reitere-se, ler e conhecer os clássicos. Saber com legitimidade quem é Dante e Shakespeare e Victor Hugo e Joyce e Poe e Pessoa e Camões, claro. E Dostoievsky. E Gorky. E Gogol. Claro. Todos. Mas recusar-se aos juízos "soberanos" dos críticos e dos académicos, se se submete aos mesmos "só porque sim". Saber que o Kafka é bom, mas poder reconhecer que O Processo é melhor que A Metamorfose, se é isso que a sensibilidade contemporânea e/ou individual diz. E ler. Ler O Processo. Ler A Metamorfose. Ler o Crime e Castigo. Para não se guiar pelas sinopses baratas da wikipédia (ou, melhor, mas nem por isso perfeitas, da wikipedia [/wɪkɨˈpiːdiə/]), nem deixar que o Google seja o poeta ou a voz poética dos dias de hoje.

quarta-feira, outubro 10, 2012

não vás dizer

dou por mim sempre abandonado no mesmo sítio, com o mesmo livro e os mesmos cadernos, sempre com as mesmas coisas para dizer e a única coisa que sei fazer é doer-me sozinho a mim mesmo.

sábado, setembro 08, 2012

dos sonhos que são mais pesadelos, que outra coisa

(deixa-me fazer-te saber que as coisas que te disse há um espaço tão pequeno de meses já não são verdade. não são. agora são mais, são maiores e mais sinceras e mais francas. agora amo-te mais e quero-te mais e estimo-te mais e acarinho-te mais. e cada dia isso aumenta um bocadinho. e se me deixares

vou estar aqui para sempre.)

domingo, julho 08, 2012

acerca da felicidade, ou uma espécie muito parecida de animal

À saída do café onde me sentei a fazer tempo, a fumar um último cigarro, antes de voltar a casa, ouço um grupo de pessoas que conversam. E estão felizes. Falam de trivialidades, que é aquilo que usualmente se considera próprio das pessoas felizes. Tecem considerações de indumentária, sugerem a aquisição de calças, de ténis, riem-se. Ao certo, juro que não sei sequer se dá para medir a felicidade, contudo, se der, estas pessoas têm calças e ténis. Mas eu guardo um segredo silencioso no âmago - tenho a melhor namorada do mundo. De sempre. Mesmo a sério.
Consequentemente, a minha felicidade é maior. Melhor, mais completa. Leio livros, ouço discos, vejo filmes, saio, bebo cafés, vou tendo amigos tão bons e com quem tenho e troco tudo de tão valioso. Mas tenho a melhor namorada do mundo. E até podia ser "só" isso.

sexta-feira, junho 15, 2012

era uma vez uma enguia chamada Josefa (era uma vez uma menina chamada ____)

seria bom não sermos todos tão complicados, embora seja bom que sejamos complexos. é tão irritante que só consigamos ser "normais" naquilo que não faz realmente grande diferença, tão absurdos naquilo em que devíamos conseguir funcionar.

(um segredo: sempre que, por bengala linguística, por bordão de expressão oral instantânea, dizes "meu" numa frase, imediatamente se processa em mim a resposta "sim, sou teu".)

sexta-feira, maio 11, 2012

coisa mais ao jeito de blog a sério

Ontem houve um senhor do Senegal que, depois de percorrer todo o espaço onde me encontrava, tentando vender produtos "típicos" aos veraneantes da noite lisboeta, nas esplanadas do Holmes Place, sitas na Avenida da Liberdade, e sendo muito mal sucedido, decidiu que me devia simplesmente meter uma no pulso esquerdo e pedir-me um euro. Uma vez que eu não tinha um euro, o cavalheiro fez-me só um "fixe", com seu polegar assertivamente erguido na mão cerrada, esboçando um sorriso e dando a informação de "não há problema, eu dou-te isso, é do Senegal." Portanto, tenho, hoje, mais uma pulseira. Que é do Senegal. E é feia. Mas representa qualquer coisa e, por isso mesmo, estimo-a. Olho para ela e ainda me alegro um bocadinho, por saber que, mesmo que toda a gente me odeie e me ache doente e disfuncional, há sempre pessoas que procuram para lá da minha antipatia e atitude anti-social (ex.: a música estava alta demais, e consistia em batidas electrónicas e remixes, "coisas felizes e luminosas, para se dançar", e havia demasiada gente, portanto, pus os meus auscultadores anti-ruído externo, liguei o leitor de mp3 nuns Sonic Youth e sentei-me sozinho numa mesa, não indo dançar, não indo saltar, não indo "conviver" nem rir nem piscar o olho nem tentar "conhecer" pessoas).
As meninas interessantes da faculdade podem não querer saber de mim para nada, porque engordei, com a idade, porque não me penteio, porque tenho barba, porque não tomo drogas, porque não toco em nenhuma banda indie, porque não faço desporto e abomino quase toda a gente que o faz, porque não sou um animal social com mais de 50000 contactos em redes sociais ou porque não cumprimento toda a gente que conheço, de os ver. Mas, apesar de tudo, ainda há senhores que, vivendo no limiar ou para lá do limiar dos padrões estúpidos do social, me percebem e vêem que eu valho a pena. Apertam-me a mão de forma sincera. Olham-me nos olhos. Dizem-me coisas com os olhos. Dão-me carinho com os olhos e sabem que eu sou uma das melhores pessoas do mundo. Apesar de tudo, as pessoas de quem nunca ninguém gosta, por "este" ou "aquele" motivo, percebem que há "qualquer coisa" em mim e não fogem. E, apesar de tudo, em certos - cada vez menos, é claro, mas... - sítios, em determinadas ocasiões, ler e ouvir música e fumar e beber de cabeça baixa, não ligando muito ao que se passa em torno (ou dando a entender que não, quando, na verdade, vejo e apercebo-me e observo tudo, ao pormenor), ainda vai chegando para que algumas pessoas desencantem dentro de si um encanto, ainda que pequenino, às vezes, mas um encanto, ainda assim, por mim.
Não desisto, embora doa. Assumi-me assim, e assumo-o até ao dia em que deixar de o ser, se algum dia o deixar de ser. Só sou. Sou. Muito. Intensamente. Sempre. Sem desistir, sem desesperar, sem deixar de esperar activamente uma coisa de que preciso. E sei (sei!) que querer amor, querer dar amor e receber amor e viver de amor não é doente nem doentio. É bonito. E faz bem ao que somos e não é físico e externo. E ao que é físico e externo, também.

terça-feira, abril 24, 2012

anúncio

perdoem-me aqueles para quem isto é uma traição à imagem fiel que fazem de mim - e que deixei que fizessem, que quis que fizessem durante tantos anos -, mas há coisas que mudam. apesar de tudo, há coisas que mudam, senão não se sobrevive.
tenho ainda um espaço de vida muito curto - uma deslocação no espaço muito curta, ocupa pouco espaço no tempo - mas estou demasiado enfraquecido. há quem se salvaguarde antes e não viva nada, depois. eu vou vivendo, mas, como não tomo as precauções que seriam necessárias, ao princípio, tenho de as tomar no fim. não se assustem, aqueles que me tomam pelo "eterno apaixonado", que fica anos e anos a sofrer pela mulher que amou. isso ainda é o que se passa. há é outra coisa que se passa, por cima disso, por cima do essencial. antes de mais dá-se que no pouquíssimo espaço de tempo que a minha vida tem, toda a sua história podia ser contada através de sofrimento por mulheres. e, como é sabido, todas as pessoas atingem o seu ponto de saturação. o meu é este. foi este, há uns tempos atrás. claro que continuo a sofrer e a angustiar-me por causa das últimas mulheres que amo/amei. claro. mas mais vale fingir que respeito as suas decisões - a meu ver, estúpidas e mesquinhas - de me deixarem, de me abandonarem. que posso eu fazer, senão "respeitar" isso? "aceitar" isso? não tenho propriamente palavra a dizer, não sou, nunca quis ser, nunca sequer me propus ser dono de ninguém. é a escolha de uma das partes, a parte que decide, que escolhe - a escolha nunca me coube nem cabe a mim, é um facto a que já me habituei há anos. respeito, finjo que respeito, aceito, que remédio, as suas decisões. e obrigo-me a sentir aliviado, "livre", sem o "peso" de vários factores. e, depois, tento enganar e vou conseguindo enganar o meu coração doente e deficiente com outras pessoas, com as quais isto nunca vai dar em nada, mas ao menos dá para ir tendo umas dorezitas mais pequenas, uns encantos mais pequenos, com que distrair o vazio do amor.
chamem-me nomes, se acharem que é isso que mereço. isto continua igual, só tem um mecanismo de salvaguarda a operar à superfície.

segunda-feira, abril 23, 2012

cê cedilhado

sobretudo não deixar de te amar, porque não dá. diz-se muitas vezes que "quando isto é a sério, não dá para desligar" e nós, que não lidamos bem com frases feitas, ficamos irritados, pensamos imediatamente que talvez até dê, tem de dar, caramba! mas não dá, nunca dá. podes afastar-te, se achas - se sentes, acima de tudo - que é isso que deves fazer, que é isso que devemos fazer. onde quer que estejamos, por mais longe que fiquemos, ao menos aqui vou dizendo que gosto mais de ti, hoje, do que ontem. aqui, querida, posso-te chamar de "meu amor". o que guardas, o que tens, o que dás só por seres "assim", só por seres isso tudo, só por seres a [inserir nome], que és, é imenso, é indizível. e amo-te, lamentavelmente, ou não. há dias em que não, sabes? há dias em que vale a pena amar-te só porque sim.

terça-feira, abril 17, 2012

lagostim

(tudo faz tanto ruído, em certas alturas, era melhor que se resumisse a essência das pessoas a qualquer coisa como um casaco, estar aqui sozinho, nunca ter conhecido outra forma de estar, toda a gente ter sido gatos, cães, periquitos, um cágado. não me doer a cabeça, não me doer o coração, poder comprar gelados e bolos em pastelarias desertas, muitos milénios depois de toda a gente ter desaparecido. não ter tido o convívio com o roncar dos aparelhos de ar-condicionado, com os olhares dos outros a não me deixarem chorar, sempre aquela peninha, aquela compaixão, mas sem nunca me virem abraçar, sem nunca me oferecerem um cigarro, e assim.)

segunda-feira, abril 16, 2012

s

(tudo devia ser tão fácil. pedem-nos dinheiro, pedem-nos comportamentos sociais, uma consciência, uns valores, aqui e ali. e complicamos tudo, e, sobretudo, angustia-me ainda mais que quase toda a gente se vá contentando com a "segurança", em vez de procurar, de facto, a felicidade, porque a felicidade pressupõe uma exposição e uma fragilidade.)

não te vás embora, pode ser?

sexta-feira, abril 06, 2012

m

Sinto, por vezes, que devia sentir a tua falta e, nessas ocasiões, sinto-a. Não é que goste mais de quem quer que seja de quem esteja a gostar, agora (a amar, é o verbo acertado), do que gostei (amei, é o verbo certo) de ti. É só que complicámos tanto as coisas que, infelizmente, em certas alturas nem sei bem o que foi que tivémos. Gosto de pensar que foi bom, mesmo esta coisa mais para o final, que se arrastou tanto tempo (e a culpa de não o ter sabido ver mais cedo foi inteiramente minha), em que provavelmente te amava sem que ainda me amasses, já. Ou amavas, sim, de uma maneira própria que, no meu egoísmo, não consegui ou soube ver.
Não adianta de nada lamentar as coisas, dizem-me, "não há volta a dar", "estás melhor assim". Todos os dias tento convencer-me disso. Que se trata de um desígnio universal, um alinhamento cósmico, uma espécie de destino. Fui feliz contigo. Por isso arrependo-me. Todas as coisas bonitas que te disse eram verdade de todas as vezes em que tas disse. Tens música e poesia em ti. És linda. 
A sério, deixem-me arrepender disto... por favor. Poupem-me às considerações muito correctas da racionalidade. Eu amei uma pessoa que tocava violino e cantava. Que me comprava xaropes e comprimidos quando eu adoecia. Que me fazia companhia em casa, numa casa que já nem sequer existe, para mim. Mas foi a minha casa durante dois anos e pouco, albergou-me a mim e a um amor tantas vezes doentio, doente, mas um amor.
Há dias em que chove e me canso de ser assim, julgo que seria melhor livrar-me do amor de uma vez por todas, não conhecer mais mulheres, não falar mais com mulheres, não as deixar aparecer na minha vida e fazerem, sem quererem, sem o saberem, com que me apaixone por elas. Ainda sinto que tenho tempo e que há pessoas que valem a pena o meu investimento emocional, mas cada dia que passa a minha paciência decresce, inversamente proporcional ao que sinto em relação ao tempo que tenho para as pessoas que valem a pena.
Ainda sinto que tenho tempo e por mais que queira que isto não fosse assim, há sempre uma mulher a seguir a outra, que me prende e a quem preciso de me prender e desperdiçar mais uns meses antes de ponderar seriamente desistir disto tudo, ou até (que às vezes calha) essa pessoa decidir ficar comigo durante uns tempos, nunca correspondentes ao sempre que eu queria de todas as vezes.

quinta-feira, março 01, 2012

comunicado

preciso de um grupo de pessoas que queiram fazer qualquer coisa. que existam e que insistam, comigo, em qualquer coisa. porque isto é cansativo. o estado das coisas. e uma pessoa não aguenta o tempo todo cansada. preciso de me mexer. de criar coisas. ter um grupo que crie coisas. que fale de poesia e de ficção "pós-moderna", contemporânea, avant-pop, super pop, sonasol, fairy, omo, skip, chamemos-lhe o que quisermos. que, por favor, tente sair dos moldes. que saia para tascas e arrote alto e preze os seus amigos pedreiros e mecânicos que choram, à noite, como qualquer destes intelectuais. que não se rale em se "mexer pelos círculos" e "fazer connections" para vergar o rabinho, baixar as cuecas perante os "senhores que interessam" (mesmo que os senhores que interessam sejam tão conhecidos quanto eu, em Badajoz, quando vou comprar caramelos). vamos fazer sessões de poesia e música for art's sake alone, sem os usuais motivos ulteriores de engatar pessoas. abraçar a marginalidade a que estamos votados (e auto-votados, também). eu tenho planos. planos para nós. e quem vier será bem-vindo.

lentamente, ainda sem existirmos, estamos a mover-nos.

quarta-feira, fevereiro 29, 2012

ainda mais uma pequena hecatombe equivalente a toda uma guerra mundial, dentro do espaço físico ainda viável de mim

Sempre que possível, não leiam traduções. Por favor, se me estimam - e quem me conhece e gosta de mim e preza minimamente a minha opinião - não leiam traduções. Não leiam traduções sobretudo de poesia. Mas não leiam traduções, ainda que de prosa, porque felizmente já estamos aqui todos depois da Virginia Woolf, e as distinções entre prosa e poesia vão-se tornando cada vez mais ténues, ao ponto de se entretocarem e complementarem.
Os métodos poéticos de hoje em dia são velhos. A poesia, em Portugal, pelo menos, não tem sabido avançar por aí além. Parou-se num passado recente, sim, recente, mas, nesta época, o passado recente já não apresenta fórmulas que saibam a novo. Não se procura uma nova linguagem nem um novo "qualquer-coisa", aliás, para se dizer. E os tradutores, mesmo que poetas, mesmo que "poetas do seu poeta", trazem coisas para a nossa língua que até podem ser boas, no original, mas, no português-das-traduções, ficam pesadas e com um ar bolorento, emproado, empoeirado. Esquecem que a linguagem a usar já não deve - nem pode - ser uma linguagem erudita, elevada, acríbica, "clássica". É a linguagem de todos os dias, de um quotidiano real. E não é isso que se vê. 
Portanto, a menos que não dominem a língua original, recusem-se a ler traduções. Uma das coisas boas (das raras coisas boas, se se quiser) da massificação e da globalização é o surgimento de lojas online, através das quais se podem encomendar livros mais baratos do que se comprariam nas lojas físicas do nosso país (e de outros). Para se comprarem autores "luso-falante-escreventes", continuo a recomendar vivamente que se mantenha viva a economia das livrarias e alfarrabistas nacionais (eu, que sou pouco ou nada nacionalista e/ou patriótico) mas, para se adquirir um livro de um autor estrangeiro, se se fala a língua desse, encomende-se na internet. Não comprem mais traduções, por favor. Evitem-nas a todo o custo, a menos que se trate de uma impossíbilidade. Se comprarem traduções, ao menos que seja uma edição bilingue, para terem acesso, no mínimo, à "coisa" original.
Gabem os vossos amigos que eventualmente façam traduções, mesmo que mintam (e, geralmente, mentimos ao fazê-lo, reconheçamos), porque é "um bom exercício" e "é necessário que alguém o faça". Mas, aconselho, se tiverem outro tipo de amizade e intimidade com eles, digam-lhes que, se é para traduzir, tentem ser mais "poéticos", que busquem a poeti-cidade que nos é exigida branda mas indelevelmente nos dias que correm. E não leiam traduções. Por favor, não leiam traduções.
Caso encontrarem boas traduções de algum autor anglo-americano, pelo menos, digam-me. Façam-me esse obséquio. Agradeço imenso. Que, até hoje, tirando livros técnicos e romances de "estrutura e fórmula clássicas", não encontrei nada, traduzido, que me tivesse dado prazer.

N.B.: lembrei-me de um exemplo de uma boa tradução: O Inominável, de Beckett, editado pela Assírio & Alvim. E haverá outras, decerto. Mas tenho encontrado tanta mais má tradução, que nem sequer dá para brincar com isso.

segunda-feira, fevereiro 27, 2012

do pânque róque (infeliz alusão ao "movimento" FlorCaveira)

fala-se por aí da Crise. e, até ver, a crise existe. uns previram-na, outros, não. mas é uma crise. não só económica. é uma crise de humanidade, sobretudo. é uma crise, passe o lugar comum, de valores. atente-se: não quero fazer deste texto um texto "moralista" e com vertente de conselho e admoestação. há uma crise de valores, ponto final. a acrescentar a todas as outras. a uma económica, sim, talvez.
a juntar a isto, não há uma única intervenção, relativa a isso, no mundo "das artes". corrijo: no meio literário vão-se fazendo coisas. mesmo que  não pareça, vão-se fazendo coisas, não ficamos calados. falamos é baixo demais, não por culpa nossa, simplesmente porque toda a gente escreve mas ninguém lê. toda a gente publica, mas os livros não se vendem. são só vozes atrás de vozes, com os pulmões a dizerem coisas, fechados dentro dos livros, que ficam só a amontoar-se nas estantes das livrarias e, com o passar do tempo, em armazéns e caixotes. as pessoas "não têm tempo para ler". respeito isso. ou, melhor, não respeito isso, mas não há nada que possa fazer, para o alterar. portanto, não espero que essa mudança social venha da literatura.
no cinema, coisa para a qual ainda se vai tendo tempo e, quando não dinheiro, recorre-se à internet e obtém-se à borla o/s filme/s que se pretende ver, o panorama é pior. os filmes norte-americanos são, de ano para ano, piores. sempre piores. explosões. mundos de fantasia e desenhos animados gerados a computador para miúdos e graúdos, todos a saber exactamente ao mesmo. perseguições de veículos armados-ou-não. balas. robots. animais baseados em mitologia. adaptações ainda piores de livros já de si maus. mas, pronto. há o cinema europeu. há "sempre o cinema europeu". intelectual e "poético", a "fazer pensar" (sempre esta porra deste argumento, "o cinema tem de fazer pensar", "gosto de um filme que faça pensar"), mas, fora esse exercício estético - por demasiadas vezes cansativo ao mesmo nível que é estético e "poético" e "faz pensar" - em nada melhores que os blockbusters repetidos e repetitivos dos Estados Unidos. só a suposta "representatividade do real", mas sem nada de realmente real, pelo menos no que à minha vida, em concreto, diz respeito.
resta-nos, pois, a música. música toda a gente ouve. e é este o maior problema. a música podia ser (arrisco-me a dizer que deveria ser) a voz necessária. mas a música já não é nada. são uns meninos e meninas vestidos com riscas horizontais (brancas e vermelhas, brancas e pretas, brancas e lilás), óculos de massa e ténis All-Star no fim de umas calças que, de tão justas, provocarão decerto impotência aos elementos masculinos, que escrevem umas coisitas animadas que soam todas ao mesmo, mas que se colocam sob o rótulo de "indie-qualquer-coisa". e estas musiquinhas são tão vazias, tão cheias de nada, só uma "distracção" da vida. uma forma de caminhar na rua a sentir-se que se tem um certo estilo. que se conhece coisas que mais ninguém conhece. só porque sim. porque convém individualizarmos, em vez de consciencializarmos e tornarmos uma coisa num projecto de todos.
às vezes falo do punk a pessoas e dizem-me que o punk está morto. usam-se t-shirts dos Ramones e, acima de tudo, dos Sex Pistols, mas só porque fica bem. conhecem-se umas faixas de uns e de outros. e diz-se que o punk está morto. que já não se faz punk. houve o "post-punk" e isso ditou o fim, o apocalipse do que era o punk. mas o punk está vivo e, arrisco-me a dizê-lo, caíndo nesta expressão sobejamente usada, nunca esteve tão vivo e a precisar tanto de ser ouvido e transmitido. porque, sim, apela à auto-marginalização, sim, são uns tipos com guitarras e a cantar mal umas musiquitas curtas com um, dois minutos, no máximo, mas ao menos há ali revolta. há ali qualquer coisa, mesmo que a letra consista em pouco mais que "Hey, little girl, I wanna be your boyfriend". há ali qualquer coisa que diz "isto está mal e nós propomos uma outra coisa, sem saber ao certo qual a solução, mas, por favor, ao menos tentemos qualquer coisa, qualquer, que seja".
ouçamos punk. já que não queremos comprar livros e os filmes são cada vez piores, ouçamos punk. todo o dia. até percebermos mais ou menos o que fazer com isto, que nos deram para as mãos, e não tem utilidade nenhuma. acabemos de vez com as musiquinhas "indie-folk" e "indietronica" e "indie rock" e "indie merda" que se têm estado a fazer, vazias de tudo, menos de uma produção plástica e de plástico, para que uns senhores ganhem dinheiro à conta disso. ouçamos punk e seus derivados. ouçamos, pelo menos, uma coisa "não-punk-que-conserve-o-espírito-do-punk".

punk is dead. long live punk rock.

sexta-feira, fevereiro 24, 2012

primavera antecipada

devia só rebolar. só dormir. sofrer a dormir porque amo x ou y ou, vá, d, mas nem x nem y nem, sobretudo, d me amam de volta. dar amor é uma chatice. é aborrecido. dar, seja o que for, é aborrecido. mas dar amor ainda é mais. justificam-se (bem) com a falta de "cliques". nunca provoco "cliques" em ninguém. não sou "apaixonável". só me lembro de uma vez, uma única vez, em que não fui eu o indivíduo a abordar outrém, primeiro, porque essa pessoa me fez o "clique" emocional. e deixei-me "clicar" depois de ter feito "clicar" primeiro. oferece-se amor em vão mas a maior parte das vezes as pessoas nem sequer percebem que pode mesmo ser amor. é rápido, é assustadoramente rápido. conheço pessoas em dez minutos e apaixono-me porque o meu coração resvala em direcção a lábios, a mãos, a um cheiro. noto os olhares, a inteligência dos olhares, o gesticular das mãos, o interesse das mãos a trabalhar o espaço entre, o vácuo entre, as coisas invisíveis, afastando-as, chegando-as para o lado, a movimentar o ar, a fazer vento com cheiro de pele e de boca. apaixono-me e sei que é amor. e não se desama depois uma pessoa só porque sim. porque "foi rápido, foi vertiginoso e, nessas condições, meu caro, não é possível que seja amor".

lamentavelmente, é.

quinta-feira, fevereiro 23, 2012

que-redo

tenho coisas para dizer. sempre. mas são sempre as mesmas e hoje nem sequer sei bem no que consistem. não me apetece escrever amálgamas, gostava de ter a coerência e a coordenação necessárias a e para escrever um texto mais ou menos académico. se se puder ser um demiurgo a organizar o caos aparente e, até prova em contrário, fáctico, factual, verídico destas ideias, e extrair delas um miolo central, um centro de ordenação e sentido, que se seja, que se consiga, que se proceda a essa tarefa hercúlea. deixo isso para os filólogos a sério, para os pensadores, para os teóricos. a minha preocupação é só a de escrever, com mais ou menos teoria a substanciar isso, mas escrever. procurar o deleite oferecido e a oferecer a quem lê. não me interessa a economia, mesmo que me bata à porta, nem me interessa ler os poemas tão impregnados do sabor a velho dos meus pares que se afirmam poetas e escritores. cada vez mais concluo que não preciso de ler muito, para escrever. que fui perdendo capacidades e liberdades, quando me comecei a auto-espartilhar com as teorias, com as comparações... era mais feliz quando lia um poema de Eugénio de Andrade e sentia "isto não é mau, mas também não é nada de especial, nota-se aqui esforço em demasia". hoje tenho de ler Eugénio de Andrade e obrigar-me a pensar "este homem foi considerado um bom poeta. tem a sua qualidade, embora esteticamente não fale à minha sensibilidade".
passei demasiado tempo com livros do Gogol na mala. do Dostoiévski. e tentei, juro, por certo que juro que tentei gostar. são clássicos. são fundamentos, nomes basilares e eu estou num curso, para o bem e para o mal, de filologia. tenho de conhecer os clássicos. saber da redenção do Crime e Castigo. tenho de preferir A Metamorfose, de Kafka, a'O Processo, do mesmo autor, porque a temática d'A Metamorfose é "isto" e "aquilo". tenho de interiorizar e obter a certeza irrefutável de que Guerra e Paz, de Tolstoi, é o "melhor romance de sempre". e tentei. tentei pôr para trás das costas os factos inegáveis de que nenhuma dessas obras me falou à alma. convenci-me de que "o problema é meu, que sou burro e lento de compreensão". mas agora deixei-me disso. quero concentrar-me no que importa. comprar e ler mais livros do Bukowski, que sabe realmente falar a minha língua, dentro de tudo aquilo que não me é, mas acaba por conseguir ser. ler mais Pynchon. mais Burroughs. sair deste pensamentozinho intelectual europeu que me rodeia, num apanágio de bichonas-nem-sequer-gay de perna cruzada na esplanada do CCB, tão sempre e só cada vez mais anti-americano, e ostentar o Love is a Dog from Hell, nas tascas, nos cafés de esquina, ler sem pejo e sem medo de ser criticado na minha repetição de "andas sempre com isso atrás?" o The Crying of Lot 49 e o Naked Lunch. não me importar muito se o cummings é considerado "menor", quando mete o mofo dos nossos poetas contemporâneos, todos a imitar o Ruy Belo e o Eugénio de Andrade e a Sophia de Mello Breyner Andresen a um cantinho, resumidos à sua insignificância de projectos imitacionais que sabem a coisa velha na boca.
é isto que vai ficar. tem de ser isto que vai ficar. a marginalidade do que se faz nos blogs, que já quase tão poucos lêem, sequer, a poesia "de garagem", dos sem dinheiro, dos que não podem voltar para casa porque não têm massa nem atum nem ovos para comer. dos que continuem a escrever só porque sim, sempre a repetir paixões platónicas de uma infantilidade prolongada, que não se ralam com o que disse o Adorno (ou fingem que não se ralam), sempre a dizer "bichos" "insectos" "decadência" "comboios" "frutos" "colo". é essa repetição que fica. não são os senhores que falam de palimpsestos e de sinédoques e que procuram uma palavra durante seis meses, com que completar os seus poemazinhos medíocres.

com toda a falta de humildade que me é possível, sou eu quem vai ficar. sou eu quem vale a pena ler. no meio da minha desorganização mental cada dia mais frequente, mais insistente, sou eu quem vale mais do que os vestígios miméticos de Mários Cesariny, de Ruys Belo, de Al Bertos, de Eugénios de Andrade, de Herbertos Helder que por aí proliferam.

domingo, janeiro 29, 2012

(o costume)

É provavelmente o que me ouviste e leste e imaginaste dizer durante este tempo todo, este pouco tempo que soube a tanto, talvez a demasiado, às vezes, mas desculpa. Não me parece que acredites na desculpa, as pessoas não mudam assim, se calhar as pessoas nunca mudam, é verdade, e não é reconhecer os erros que me faz apagá-los ou sequer penitenciar-me deles, mas desculpa, a sério.
Já fui deixando de perceber se a culpa existe ou, a existir, de quem é. Se existe, é dos dois, é o que nos diz o senso-comum, preenchido das banalidades e das convenções sociais que nos permitem continuar a existir. A lógica pequena da vida, a que lhe tentamos atribuir em tudo o que fazemos, em todo o caos e acaso e intenções dum lado versus as intenções do outro diz-nos que a culpa é repartida. Talvez nem se justifique falar em culpa, mas se peço des-culpa é porque assumo a minha culpa. E assumo-a, assumo todas as imbecilidades que fiz e arrependo-me delas. Publicamente peço-te perdão pelas atitudes asquerosas e guiadas pela ira e pelo despeito, que tomei, nomeadamente neste mesmo blog, com um post cravejado de mentiras. Não importa o seu propósito, que existia, mas os fins não justificam os meios, portanto, espero que me perdoes desse acto estúpido e hediondo de expôr uma vida íntima que nem sequer foi a tua/nossa. A raiva por detrás disso, o despeito por detrás disso, a mágoa por detrás disso, nenhuma destas coisas serve como justificação. Aquele post não deveria sequer ter sido pensado, quanto mais publicado.
Guardo coisas boas, do que fomos. Deste-me mais do que pedi, simplesmente não soubémos corresponder ao que um e outro precisávamos. Pelo menos é a resposta mais simples e socialmente correcta, logo, fico-me por ela. E é a verdade.
Isto custa-me, e não por nenhuma ofensa que me tenhas feito, não por me teres ou não tratado mal (ou "menos bem"), não por não teres sabido corresponder ao que quer que seja... custa-me porque te amei imenso, mostrei-te o meu amor todo e nunca te escondi nada, dei-te tudo de mim, ainda que às vezes talvez não o saiba ter mostrado claramente. A angústia disso, de ter de criar as estruturas necessárias, se bem que falsas, de que já não te quero ou de que já não "gosto de ti", é que me faz depois ter atitudes imbecis de escrever textos ofensivos que nem tu nem ninguém mereceriam. Mereces que te deseje bem, que te queira bem, e que te deixe seguir a tua vida em paz, saúde e felicidade. Mereces que te guarde para sempre num lugar especial no meu coração e na minha alma, e acredita que ocupas esse espaço.
É melhor que nos afastemos, mas sabe que o que vivemos vai ser sempre muito importante para mim. És uma pessoa linda e maravilhosa, e sei que vais encontrar alguém que te saiba ajudar a ser mais feliz. Sei que vais ficar bem, porque mereces ficar bem.
Lamento ter-te feito perder tanto tempo e tanta saúde mental. Genuinamente. Desejo-te tudo de bom, do fundo do coração. E espero que daqui a uns tempos consigas mesmo acreditar na verdade disto tudo. Desculpa também não ter sabido ser mais e melhor, como precisavas.
Um abraço. Sabe um abraço. Entende este abraço. Se possível, lembra-nos como uma coisa mais boa do que má.

domingo, janeiro 22, 2012

sevícia

Envelhecer é uma coisa triste. Muito triste. A vida vai-nos destruindo aos poucos, e lembro-me sempre das palavras de uma amiga - julgo que parafraseando alguém - em relação àquela teoria tão repetida (como tantas dessas teorias que "ajudam", repetidas ao longo de séculos, milénios, talvez, até, só para que acreditemos nelas), de que se aprende com os erros: "if you learn from a mistake then it's not one". Subscrevo. Essa ideia de que as coisas más nos vão tornando mais fortes não passa de um mito que dá jeito, uma ficção, entre todas as ficções, de que precisamos, com vista à sobrevivência. A saúde emocional, como a saúde mental, não distam tanto assim da saúde física; ou seja, sempre que parto um braço, ele não vai ficar mais forte, quando recuperar. Fica fragilizado. Vai passar a doer com as mudanças de temperatura. Nunca mais vai ter a destreza e a força física que teve, em tempos. E até posso resguardá-lo mais, porque "aprendi com o erro" e terei mais cuidado com ele, mas o mal está feito, e o braço nunca recuperará. A mesma coisa se passa com a saúde emocional. Se sofro, se me dói, se me corrói a angústia e o desgosto e a falta de amor e de encanto, o mal está feito. Ganhei um braço partido na alma e esse braço está arruinado para sempre. Às vezes a alma tem de reaprender a escrever, porque o braço fica tão fragilizado que é necessária fisioterapia anímica. E, tal como num braço físico que se parte, por mais cuidado que se tenha, no recobro, para que não se volte a partir, eventualmente tem de se recomeçar a usá-lo e o quotidiano volta a trazer-nos a necessidade de o usar, com as dores novas, é certo, mas de o usar como sempre o usámos. Um braço é um braço, é necessário, é essencial, tem uma função, como braço, e por mais precauções que se tomem, o seu uso, a sua função primária e instintiva fazem sempre com que corra riscos. Uma alma corre sempre riscos.
Tenho conhecido pessoas que se fecham numa cobardia de não viver porque "aprenderam com os erros" e, portanto, nunca se dão a ninguém. Uma vez, num passado qualquer, magoaram-se. Magoaram isto a que tenho estado a chamar de alma, mas que pode ter o nome que se lhe quiser dar. Partiram-na. E ela recupera, como tudo, em nós, recupera, mesmo que leve muito tempo. Por vezes, esse trabalho de recuperação é tanto e tão exigente, que quase nos assustamos em usar a alma como dantes. De sermos como antes. É natural que muita gente ligue este mecanismo quase mecânico, muito "não-orgânico" de auto-defesa e simplesmente deixem de se apaixonar, de acreditar (porque "acreditar em certas coisas, como o amor ou os «para sempres» é coisa infantil e de pessoa que não quer crescer e enfrentar a vida")... natural, porque o compreendo, porque entendo porque o façam. É compreensível, enfim, que o façam. Não sei se realmente tão natural assim.
Exige coragem perceber que o braço partido da alma pode estar fragilizado, mas que temos de continuar a usá-lo como braço. Porque a alma parte-se, com certeza, mas não se nos é amputada. O que há é quem prefira convencer-se disso. Exige coragem, muita, mesmo, reeducar a alma para o amor, para o encanto, para os "para sempres", mesmo que já se tenha batido com a testa anímica tantas vezes contra paredes (autênticas muralhas) a circundar corações alheios. Fingir que se "aprende com os erros" e fechar-se à vida, isso, sim, é coisa de crianças, ainda que não se veja crianças factuais a fazerem-no. Mas, pronto, fazendo a vontade a mim próprio, suponhamos que há uma infância para as almas, também.
Não me quero deixar envelhecer a achar que o amor não vale a pena, que nada da beleza e da arte e de nos encantarmos com alguém vale a pena... isso é para gente que desistiu de viver e nem se apercebeu.

quarta-feira, janeiro 04, 2012

take two

em anos e anos nunca aprender a lidar com a solidão. eis a merda da resposta a isto tudo. cromossomas e genes e física, neutrões, protões, astros. foda-se. e o amor e os sorrisos? merda. ninguém entende a ciência da amizade, dos cafés, das conversas. e se isso pode ser explicado em duas frases pela psicologia, pela biologia, pela matemática aplicada ao caralho-que-a-foda, não pode ser explicado.
e a única resposta da arte em relação a isso é um pássaro. e um pássaro é bonito, mas para os cientistas não é uma resposta, é só outra coisa para ser estudada como uma pergunta.
portanto, a arte responde com uma pergunta em forma de pássaro. e isso é a melhor resposta ao acto de ir existindo, ao cliché pós-moderno de se ir sobrevivendo.
em anos amar a solidão e notá-la fazer sentido, "foda-se, a solidão faz sentido, os livros/os filmes/os discos/os animais são melhores que as pessoas!", mas nunca saber lidar com ela, nunca notar que não se sabe aguentá-la.
precisar de foder porque vai dar quase ao mesmo que amar, custando, ainda por cima, menos.