segunda-feira, novembro 21, 2005

O que é a geração Nintendo?

Há uns tempos atrás, li um artigo numa revista, ou num site qualquer, não me recordo agora, que falava acerca do que é a suposta "geração Nintendo". Discordo do que o autor definia nesse grupo. O autor não faz a menor ideia do que é a geração Nintendo. Muito menos ideia fará do que é a Nintendo em si. Fará, concerteza, algumas ideias do que é a vida e do que são os jogos de vídeo e dos efeitos malévolos e absolutamente aterradores que têm, sobre as crianças e jovens. O autor desse artigo é um senhor que não me merece respeito nenhum.
Antes de mais, a Nintendo lançou o seu primeiro jogo há muitos, mas MUITOS anos atrás, nos velhinhos anos 80, antes de qualquer outra companhia de electrodomésticos se dedicar à indústria dos videojogos. O jogo chamava-se Donkey Kong, e jogava-se em arcadas ou numa consola portátil, ao estilo da recente DS, com ecrã duplo, e o objectivo desse jogo era salvar a princesa, por via de subir umas rampas, evitando barris e outros objectos que rolavam na nossa direcção. A personagem com que jogávamos tinha o nome óbvio de Jumpman, que era, na prática, tudo o que fazia: saltava. Mais tarde, em 1983, Jumpman teria a sua primeira incarnação num jogo próprio, acompanhado do seu irmão, Luigi. Exacto, Jumpman viria a dar origem à personagem de jogos de vídeo mais conhecida do mundo: Super Mario. A consola da Nintendo, Nintendo Entertainment System (NES), na Europa e nos Estados Unidos, FamiCom (Family Computer), no Japão, de apenas uns miseráveis 8-bit de processador, tem a maior e mais inventiva biblioteca de jogos de sempre, com clássicos como Super Mario Bros., The Legend of Zelda (que definiu a partir daqui e até aos dias que correm o estilo de todos os RPGs de Acção e Aventura, tendo sido uma autêntica revolução a todos os níveis nos jogos feitos até então, e tendo um valor de jogabilidade que, apesar de ter sido feito para 8-bit, continua a fascinar jogadores, com a sua história e exploração de um mundo de uma forma totalmente livre, independente e até pessoal, de um quase-viver e quase-explorar fisicamente o reino devastado de Hyrule; tem um valor de entretenimento bastante alto, não havendo nada ao seu nível, tirando os outros jogos da saga), Metroid, Nintendo World Cup, Super Spike V Ball, etc.
Em 91, para concorrer directamente com a Mega Drive (ou Genesis, no Japão e nos Estados Unidos), da Sega, a Nintendo lançou aquela que é, para quem a tem e para quem jogou nela, a melhor consola de sempre: a Super Nintendo Entertainment System (SNES), de 16-bit, bastante mais potente que a rival da Sega, embora a velocidade de processador fosse a mesma (ambas, como é óbvio, deram o nome de "época dos 16-bit" à época de 16-bit, por algum motivo...). Tendo a vantagem de ter jogos desenvolvidos e distribuídos apenas pela Nintendo (Super Mario, Zelda, Metroid...), que mais nenhuma marca tem, a SNES foi a única consola a ter The Legend of Zelda: a Link to the Past, que, apesar dos gráficos serem fracos, em comparação ao que hoje encontramos nas consolas e PCs modernos, na data de lançamento eram os melhores vistos desde sempre, com misturas de efeitos e pormenores 3D num mundo 2D vivo e trabalhado, com uma sensação de desenho animado que era quase perfeita. A Link to the Past oferecia semanas de jogo numa exploração do mundo extenso, colorido e labiríntico de Hyrule, tanto no mundo normal como numa dimensão paralela e mais "negra", apanhando items e preciosos upgrades de corações que aumentavam a energia de vida do nosso Link. Foi também a única consola a ter na sua biblioteca de mais de 500 jogos o que seria o padrão de todos os jogos de plataformas 2D: Super Mario World, que oferecia, no seguimento de Super Mario Bros. 3, um sistema de mapa bastante elaborado, para além do desenrolar, em side-scrolling, do jogo em si. No seguimento de Super Mario World, mas já no fim da existência da SNES, sendo um dos últimos lançamentos, Super Mario World 2: Yoshi's Island, ficaria na história como o melhor jogo de plataformas 2D de sempre, com gráficos muito bons para o que era suposto existir num jogo a duas dimensões. Yoshi's Island usava um chip implantado no cartucho, o Super FX 2, que aumentava significativamente a qualidade gráfica do jogo, e parecia realmente termos ligado a nossa televisão num canal de desenhos animados (de desenhos animados MUITO bons!). A meio da sua vida, a SNES veria lançado o fabuloso Star Wing (ou Star Fox, nalguns países), o primeiro jogo numa consola de 16-bit a usar polígonos 3D, ainda por cima a uma velocidade de processamento absurdamente fluida e perfeita, para o que uma consola poderia fazer na altura. Teve ainda o inovador Super Mario Kart, que lançou as bases do que deveria (e deve) ser um bom jogo de karts. Saiba-se que todos os Mario Karts que saíram entretanto são apenas variações mais ou menos bem conseguidas do original de 92, e que nada de novo trouxeram. Outro jogo de corridas que marcou uma geração, não tanto em termos gráficos, mas no que concerne a velocidade e reflexos possíveis num jogo, seria F-Zero, cujo nome já suscitará muito olho a tremer por esse mundo fora, e dedos a moverem-se freneticamente, numa recordação demasiado frustrante do que é a velocidade de um jogo de corridas em cidades futuristas, com muito néon que também dificultava a concentração, e aumentava a necessidade de reflexos mais que apenas rápidos. A SNES não venderia em Portugal tanto como a Mega Drive, mas seria nela que se definiria o que deve ser um RPG, sendo que todos os RPGs daqui em diante seguiriam as linhas base do que a SNES definiu (Zelda: A Link to the Past; Soulblazer, da Enix, toda esta série era incrível; EarthBound; a saga do Final Fantasy, embora já tivesse começado na NES; Chrono Trigger - apenas nos EUA -; Seiken Densetsu 1, 2 e 3; Tales of Phantasia, da Namco; e o meu preferido - com lançamento na Europa e no Japão, exclusivamente! - Terranigma, da Enix).
Em 96, no auge do que eram já as consolas de 32-bit (Sega Saturn e Playstation, da Sony), a Nintendo entra no mercado com a potente (para a altura, pelo menos...) Nintendo 64. A N64 foi um fiasco por muitos motivos, mas particularmente pela desavença que houve entre a Nintendo e a Sony, quando a Nintendo pediu à Sony que lhes fizesse uma consola que lesse CDs, e a Sony, num problema judicial qualquer, desligou-se da Nintendo e acabou por fabricar a sua própria consola (a Playstation), muito com base no que aprenderam com a companhia a partir de então rival. A Playstation e a Sega Saturn leriam CDs, ao passo que a N64 continuaria a seguir o anterior e obsoleto serviço de cartuchos, o que a tornou menos acessível que qualquer uma das concorrentes. Os cartuchos, apesar de mais caros e mais difíceis de piratear que os CDs, tinham a vantagem de dispensar caríssimos cartões de memória, sendo que o progresso de jogo era guardado na memória interna do cartucho em si (nalguns jogos isto chegava a abrigar alguns bons slots de memória). A consola tinha o melhor processador das três, e acabou por destronar apenas a Saturn, não por mérito próprio, mas pelo declínio da arqui-rival Sega, que já se adivinhava. A Playstation conquistou uma série de jogadores mais novos e menos exigentes em termos de jogabilidade e de sistema de jogo, tendo apenas jogos de desporto e de carros, diversos shoot-em-ups e first-person-shooters demasiado violentos e sem sentido ou história algumas. A Nintendo, por seu turno, continuava a apostar na inovação, usando e abusando do elenco que detém, levando Mario e Zelda para um fabuloso e deslumbrante mundo completamente 3D. Mario 64 foi, mais uma vez, inovador, definindo o que deveria ser um jogo de plataformas 3D, com um controlo analógico de 360º perfeitos, nunca visto até então, só possível graças ao fantástico comando da consola (considerado por especialistas como o melhor controlador de consolas alguma vez feito, o comando da N64 possuía mais de 10 botões ergonomicamente colocados, numa consola com três pegas, uma central com um gatilho astuciosamente colocado, um Z-trigger, um botão C constituído por três direcções diferentes, um digi-pad em cruz como nas consolas anteriores e um altamente funcional comando analógico, que possibilitava movimento em 360º reais). Mario 64 tinha também gráficos excelentes para altura, som stereo real em diversos canais, e uma história imensa, num castelo enorme, com acesso a diversos mundos para explorar. Em 98, a Nintendo publica, para a N64, a transposição da sua saga mais lucrativa para a era 3D: The Legend of Zelda: Ocarina of Time, um jogo épico e provavelmente o mais completo (e mais desesperante, para aqueles que conhecem o Water Temple) de toda a série, até aos dias de hoje. Ganhou um 10 perfeito em quase todos os sites, revistas e programas de jogos de então, merecidamente, entenda-se, embora, para mim, não seja o melhor de todos, está apenas ao nível de inovação que a Zelda sempre teve desde a consola de 8-bit. O sistema de combate era algo nunca visto, os gráficos eram absolutamente fabulosos, e a história do jogo era tão apaixonante que era quase possível sonhar em viver em Hyrule, experimentar viver em Hyrule através do Link, que se movia tão fluidamente num mundo demasiado pormenorizado e extenso, em 3D. Para esta consola, sairam ainda Super Smash Bros., um jogo de luta entre personagens da Nintendo, que incluía um elenco invejável de personagens novas e velhas, algumas mais esquecidas que outras; The Legend of Zelda: Majora's Mask, no mesmo estilo de Ocarina of Time, mas com algumas alterações (a nível gráfico estava bastante superior, sendo necessário comprar um chip de actualização para a consola, para se poder jogar o jogo); Perfect Dark, um FPS de ficção-científica/horror; Turok: Dinosaur Hunter, um FPS de fantasia com dinossauros; alguns títulos do franchising que começaria a nascer para se tornar num gigante que hoje em dia muito dá a lucrar à empresa nipónica, que é o Pokémon; entre muitos, muitos outros.
Entretanto entrámos na última geração de consolas (a Sega ainda passou pelas consolas de 128-bit, com a Dreamcast, mas foi um fracasso autêntico, não conseguindo competir com o marketing arrasador da Sony na Europa, em relação à sua Playstation, nem sequer com a N64, com metade do processador, e sem qualquer tipo de marketing, sequer), onde já entramos nas comparações com PCs, e deixamos as classificações por bits de lado. A consola da Nintendo de última geração chama-se GameCube e corre a uma velocidade de 256Mhz/s, praticamente o mesmo que as concorrentes, a Playstation 2 (PS2), líder (infelizmente) indisputada de mercado, e a Xbox, da Microsoft, na sua primeira e frustrante incursão no mundo da indústria dos jogos de vídeo (a Xbox tem um design péssimo, é enorme e feia, e não prima pela diversidade no que diz respeito à biblioteca de jogos, tendo um único jogo apreciado pelo público geral, e mesmo esse não é nada de novo ou de excepcionalmente bom, que é o Halo). A GameCube aposta no design e na jogabilidade dos títulos disponíveis, tendo os jogos mais inovadores de todos os tempos nesta plataforma. Link e Zelda regressam em força no absolutamente inovador The Legend of Zelda: The Wind Waker, apostando num estilo gráfico a que se chamou de cell-shading (ou toon-shading), que, basicamente, consiste em gráficos 3D mas que parecem desenhos animados ou bandas desenhadas, tudo isto com um nível de pormenor impossível de atingir com qualquer PC topo de gama normal dos dias de hoje, mesmo 3 anos após o lançamento do jogo. Muitos ficaram decepcionados com o jogo, uma vez que o estilo das personagens aposta numa idade um pouco abaixo do Ocarina of Time, que foi o primeiro Zelda para uma multidão de gente (o Link com que jogamos tem 12 anos, mais quatro que o Link da primeira aventura em 8-bit,. largado no mundo de Hyrule com 8 anos apenas...), mas o sistema de jogo e a jogabilidade acabam por compensar. Pela primeira vez, Link dispõe de um mundo assustadoramente grande por onde vaguear, constituído por um oceano descomunal e muitas ilhas perdidas nesse oceano. Os puzzles foram aligeirados, depois das dores de cabeça sentidas por jogadores aficcionados em Ocarina of Time, mas o sistema de combate ganhou alguns pormenores bastante interessantes, tornando Link num guerreiro ágil, para além de forte, aliás, como seria próprio da idade. Luigi surge, também num jogo graficamente deslumbrante, com Luigi's Mansion, a solo pela primeira vez (depois de uma tentativa gorada, na SNES, com o jogo Mario is Missing), e, embora o tempo de jogo seja relativamente curto, o conceito foi muito bem pensado, consistindo na tentativa de Luigi em aprisionar fantasmas numa espécie de aspirador que carrega às costas, para livrar a mansão, que herdou, destes seres e libertar o seu irmão, o famoso Mario, que está preso algures na casa.
Para a GameCube têm saído grandes títulos, para além destes, continuando ainda a saír, uma vez que a Nintendo ainda a fabrica, pelo menos até lançarem a sua consola de próxima geração, Nintendo Revolution, que terá compatibilidade com os jogos de GameCube, e ainda acesso à net para download de TODOS os jogos para Nintendo já feitos, nas plataformas que corriam em cartuchos, que poderão depois ser guardados no disco rígido. Por enquanto, para a GameCube, alguns títulos que marcaram os jogadores são, por exemplo, Alien Hominid (um side-scrolling beat-em-up ao estilo do famoso Metal Slug da SNK Playmore, em 2D, desenvolvido pela Behemoth Studios, embora lançado para a GameCube apenas nos Estados Unidos), Tales of Symphonia (no seguimento de Tales of Phantasia, para a SNES, da Namco), Viewtiful Joe (da Capcom), Eternal Darkness: Sanity's Requiem (o melhor jogo de terror alguma vez feito, pela Nintendo em parceria com a Sillicon Knights), Killer 7 (muito ao estilo de Memento e Fight Club, pela Capcom), Super Smash Bros. Melee (a sequela de Super Smash Bros., para N64, com algumas operações de estética e alguns modos de jogo adicionados, bem como um leque de personagens revisto - e melhorado), entre um sem-número de títulos que continua a crescer - passando, sem dúvida, pelo mais que aguardado The Legend of Zelda: Twilight Princess, com gráficos excepcionais, em que Link voltará ao seu antigo estilo de Ocarina of Time, mas num mundo mais negro (de facto mais negro, onde, como no A Link to the Past para SNES, há um mundo paralelo, desfigurado, onde cada ser humano corresponde a um animal, e o Link transforma-se num lobo - no A Link to the Past tranformava-se num coelho, até se ter um espelho mágico que permitia que continuasse humano, neste próximo jogo, Link terá sempre a sua forma de lobo no Twilight realm). Este jogo sairá em Fevereiro do ano que vem, e Shigeru Myiamoto, o senhor por trás da criação de Super Mario, Zelda e Metroid, as imagens de marca da Nintendo, já anunciou que será o último Zelda deste tipo, portanto, querem que seja o melhor dentro do género. Os próximos Zeldas, em princípio, seguirão a linha mais animada e fluida de Wind Waker.

Depois de uma seca descomunal acerca da história da Nintendo e das consolas da Nintendo, queria deixar bem claro ao senhor que escreveu um artigo sobre a geração Nintendo, dizendo que esta é uma geração de pessoas que só ligam às aparências e à roupa e à superficialidade social, que as coisas que afirma são do mais falso que há. A geração Nintendo era gozada pelos meninos e meninas que tinham Segas (master System vs NES e Mega Drive vs SNES), era abusada e perseguida e geralmente espancada nos intervalos, e cresceu a ler livros enquanto jogava Tetris e Super Mario e Snake Rattle n'Roll nas suas NES, desperdiçava semanas da sua vida a jogar Zelda, atravessando os nove níveis com um Link primeiro verde, depois branco e depois vermelho, porque ninguém gostava deles. O senhor autor desse fantástico texto deve estar a referir-se aos meninos e meninas que jogavam Sega e que jogavam (e jogam) Playstation e, mesmo que se referisse a esses, estaria a generalizar, o que seria uma coisa muito má. As pessoas que REALMENTE jogam jogos de vídeo e sabem e conhecem da indústria, geralmente foram muito gozadas e maltratadas na sua infância, e refugiavam-se nos jogos para compensar dos colegas atléticos que praticavam desporto e que tinham as namoradas que queriam e que batiam em quem queriam. Essas pessoas hoje são pessoas que conhecem muita literatura, ou que se interessaram por informática ou matemática ou raciocínios lógicos e espaciais, como engenharias diversas e arquitectura, e grande parte disso foi por causa dos jogos inovadores que a Nintendo nos proporcionou. Não misture as coisas. Ou então, informe-se.
Outra coisa: se se refere à geração Nintendo, usando a palavra "Nintendo" para referir as consolas de jogos e jogos de vídeo em geral, então, devo dizer-lhe que pertence, o senhor sim, à verdadeira geração Nintendo, em que a Nintendo era a única companhia de jogos do mundo. As coisas mudaram, e desde a Mega Drive que não se pode dizer que a Nintendo domine o que quer que seja, que não sejam consolas portáteis (GameBoy, GameBoy Color, GameBoy Advance, GameBoy Advance SP, Nintendo DS, GameBoy Micro), portanto, quando muito, podia-se referir à geração "Sega". Mas acho que se refere a uma suposta geração "Playstation", cujos jogos promovem nada mais que a superficialidade, a facilidade, o encanto gráfico em relação à jogabilidade e os grandes nomes e as grande marcas, em oposição ao valor educativo ou pelo menos um pouco "instrutivo", ou até apenas porque trabalha a imaginação e a inovação a todos os níveis.

P.S.: É óbvio que me esqueci de muitos títulos, e muitos jogadores estarão fulos comigo por isso. Eu sei que me esqueci, mas era impossível retratar a história da maior companhia de jogos de vídeo de sempre num texto curto. Ainda assim, este foi o mais curto e conciso que consegui fazer.

(Lendo tudo isto, o que concluo é que, muito provavelmente, teria um futuro brilhante em revistas, sites ou programas de jogos de vídeo, como crítico...)

sexta-feira, outubro 28, 2005

a cor das mãos é igual à cor do estômago

Que sou? Quem sou? Não peço respostas nem quero sequer fazer as perguntas. Tenho um corpo mais ou menos bom. Serve para o que serve. Nem sempre serve para pensar. Nem sempre serve, às vezes dói. Dói um bocadinho, pelo menos.
Não acredito nas revistas e não sei o que guardam para mim. Para além da humanidade, não sei mais no que me hei-de inserir... não me sinto "sagitário", não me sinto "religioso", não me sinto "acolhido", não me sinto capaz de "gostar". Não sou capaz de gostar, pelos vistos. Acredito que há um local escondido, onde homenzinhos ridículos que não lavam o cabelo e não lavam os dentes e não ouvem música e não lêem livros e não fazem realmente nada, para além de respirar, vivem, e às vezes penso que quando nasci houve algma espécie de cisão universal e trocaram-me com alguém deste espaço que existe aqui. Noutro sítio alguém que vive e convive e não se põe à parte de tudo deve concerteza existir e pensar que no momento em que nasceu houve uma cisão universal para que nos trocassem, não faço ideia das vezes em que já terá pensado "morte" ou qualquer coisa do género... seremos diferentes mas até que ponto não iguais no nosso desconsolo existencial? Noutro sítio alguém não se sente sagitário ou seja lá o que for que as revistas nesse outro sítio dizem que deve ser, noutro sítio alguém não gosta que não hajam políticas sociais, alguém não gosta que tudo seja um marasmo e que ninguém escreva nem leia nem
pense.
Não há nada, para mim. E o que há parece que me foge sem que possa fazer alguma coisa de realmente relevante. Como
sempre
aliás.

quinta-feira, outubro 20, 2005

Michelle

Porventura não sei quem é o que me olha de um lado estranho. Somos quatro numa sala de café qualquer, eu e outros três, um desses três fuma e não sou eu, dois bebem e dentro desses dois que bebem um bebe moscatel do douro e esse também não sou eu, três lêem um livro e entre esse três também eu leio. Dois olham para mim e pensam não sei em quê e eu penso em mortes, nas formas como os decapitaria, nas formas como os amarraria e cravaria lâminas primeiro devagar, depois com força, cada vez e sempre com mais força, limpando tudo cuidadosamente com um pano, as lâminas enferrujadas só no fim, um ou outro vidro aqui e ali, álcool q.b. sobre as feridas, sal a gosto por debaixo da pele;
porventura não sei os nomes de ninguém, destes três e até destes quatro, e penso em mortes, nas suas, na minha, um homem de preto a atirar um piano de um quinto andar sobre um corpo e esse corpo ligaduras num hospital
soro
monitor de tensão
sons aquáticos nas artérias
moscatel nas artérias,
michelle entra no quarto trazendo flores e paz e nesse momento ácido pítrico na cara de michelle, para que se desfigure e morra sufocada no seu próprio vómito e no gás do ácido entretanto já pelo chão.

sorvo um café devagarinho. e ninguém sequer sonha que sou isto tudo cá dentro.

quarta-feira, outubro 19, 2005

Eu sou um cocó

Não é por nada, a sério... por favor, já disse que não é por nada, não é por nada, mesmo! É só que chega de vez em quando a algumas alturas do ano e todo eu sou uma bolinha ridícula de muita raiva acumulada que não sei nem saberia pôr ao serviço de nada.

Eu sou egocentrista e egotista e não gosto de estar sentado ou a conviver com muitas pessoas (entenda-se, mais de três), porque sei que não vou ter a atenção

TODA.

sexta-feira, outubro 07, 2005

À Massa estudantil e activa da UNL-FCSH

Peço-vos humildes desculpas. Peço desculpa por não usar sandálias. Peço desculpa por não ser freak. Por não ser rastafari. Por não ser de esquerda. Por não ser de direita. Por nem sequer perceber como funciona o sistema governativo português. Peço desculpa por não ter causas sociais. Peço desculpa por não fumar erva. Por não inalar coca. Por não beber cerveja. Peço desculpa se gosto de whisky e se não entendem que goste de whisky e não goste de cerveja. Peço desculpa se não ouço reggae. Peço desculpa se não aprecio arte minimalista. Se não procuro avidamente tudo o que é cinema francês underground e cultura urbana. Desculpem-me se não sou sensível nem vegetariano nem canhoto nem percebo de arte nem de música. Desculpem-me se não toco nenhum instrumento. Desculpem-me se sou agressivo e pouco tolerante para com os intolerantes e para com os tolerantes também. Desculpem-me acima de tudo se não creio que revoluções políticas salvem o mundo. Desculpem-me por tantas coisas... por não ler jornais nem ver noticiários. Por não saber de filosofia. Por não ser homossexual ou pelo menos bissexual. Por não gostar do Verão. Por acreditar num deus. Por não ler os grandes pensadores da história e preferir poesia. Por não gostar nem compreender muito bem canções de intervenção. Nem poesia de intervenção. Peço desculpa se não sei nem gosto de dançar e não gosto de discotecas nem de bares com demasiado barulho. Peço desculpa se não sei fazer nem manter amigos. Desculpem-me sinceramente se não sou contra nem a favor da liberalização das drogas leves. Perdoem-me se quero apenas ser assim sem ser incomodado por todos. Perdoem-me se me incomoda que se imiscuam no meu espaço.

Peço desculpa se não me preocupo com as coisas e peço desculpa se sou fiel à minha Pessoa e não quero nem penso mais ninguém para além dela. Peço desculpa se não consigo conceber a ideia de uma traiçãozita que não faz mal a ninguém. Peço desculpa se não saio à noite para engatar ninguém. Peço desculpa se ouço música sozinho e se raramente vou a concertos. Peço desculpa se não acredito em astrologia e se não acredito nos signos e se não acredito em religiões antigas ressuscitadas para combater a monotonia de uma cristandade acabada. Peço desculpa, meus queridos colegas, se me irrita tudo o que são. Peço desculpa se às vezes tenho vontade de lhes vazar os olhos, concerteza que também vocês têm de vez em quando esse desejo em relação a mim, por mais tolerantes que sejam (e são, decerto). Peço desculpa se não sou hindu nem budista nem muçulmano, peço desculpa se não simpatizo com os árabes do médio-oriente, se não uso khafias ao pescoço em sinal de amor e respeito e veneração ao Arafat e ao Bin-Laden e à Al-Qaeda. Peço desculpa se não sou anti-globalização nem anti-capitalismo.

Peço desculpa se, entre todos vocês, activos, como formigas que labutam uma sociedade nova, fico feito cigarra a ouvir jazz num buraco, sozinho, alheio aos vossos movimentos muito urbanos e muito culturais, os vossos museus de artes plásticas com móbiles feitos com lixo e com fios de pesca, os vossos museus de pintura contemporânea com quadros a realçar o branco das paredes, das vossas sessões de vídeo e cinema experimentais, dos vossos jantares-comício, das vossas festas-comício, dos vossos coffee-shops, dos vossos neurónios em combustão a pensar tudo por todos e para todos. Eu gosto muito de vocês, apesar de tudo.

Ao menos saibam isso.

terça-feira, junho 21, 2005

Porque somos pessoas abertas em relação à sexualidade.

Somos pessoas abertas em relação à sexualidade porque, quando éramos pequenos, víamos a Rua Sésamo. Pois é. Em relação à sexualidade, e não só. Ao mundo, em geral. Convenhamos que a equipa do senhor Jim Henson fez um trabalho brilhante na nossa educação. Não interessa para o caso o número incontável de pessoas fascinantes que foram iniciar o seu percurso escolar já sabendo ler e contar graças ao Poupas e ao Gualter, ao Conde de Kontarr e ao Ferrão, ao Egas e ao Becas, ao Simão e ao Monstro das Bolachas, ao André e à Avó Chica, à Guiomar e à Gata Tita! Nada disso! O que importa é o contexto social que estava subliminarmente a ser veiculado ali... somos pessoas que aprenderam a respeitar os homossexuais, e isto, porquê? Porque tínhamos como cicerone do dito programa uma galinha enorme, de voz efeminada, todo ele cor de laranja (na versão portuguesa, claro está), com uma crista colorida a fazer lembrar as sul-americanas aves-do-paraíso, com um corpo descomunal e ainda por cima em forma de pêra! O que é isto? Isto era para que aceitássemos as diferenças de cada um, apesar da sua inclinação sexual, pois claro. Toda a gente sabe que o Poupas não era heterossexual, caramba! Pelo menos, seria bi.
É óbvio que não se ficavam por aqui. De seguida, éramos confrontados com o Egas e o Becas, homenzinhos emancipados, que, apesar da sua idade adulta (uma vez que viviam sozinhos, presumo que fossem adultos...), estavam em permanente contacto com o seu lado infantil, sendo que tinham sempre inúmeras brincadeiras para realizar dentro de sua habitação, quando chovia. Isto não é para qualquer um! E estar em contacto com o lado feminino? Eles estavam! Tomavam banho com patinhos de borracha e usavam camisolas de lã o ano inteiro, sempre com o mesmo padrão às riscas, denunciando uma inclinação sexual diferente do que é preconizado pela sociedade. E não tinham vergonha de o assumir, irra! Eram gays, sim, mas assumiam um posto de utilidade na sociedade, ou pelo menos no micro-clima social recriado na Rua Sésamo! E, depois, entenda-se, falamos de dois indivíduos caucasianos (tirando o Egas, que com aquela tez alaranjada poderia ser negro, não entendemos muito bem qual a intenção), com sweatshirts às riscas, que vivem em conjunto no prédio 123 da Rua Sésamo... vivem em conjunto, assumindo no seio daquela sociedade uma relação que, não sendo claramente de homossexualidade, seria pelo menos uma situação ambígua, que deixava aos co-habitantes do bairro a nítida sensação de que algo se passava, para além da partilha de alimentos na creche. Havia também uma partilha de corpos, isso é certo. Aquela sobrancelha única do Becas não enganava ninguém.
Outra questão, não menos pertinente, era o exemplo português do Ferrão, que nada mais era do que o típico homem viril, confinado a um barril (aqui se vê também o contexto social português, sendo que na versão norte-americana o Oscar, primo do Ferrão, pelo menos em parecença e em virilidade, habitava num caixote do lixo, e não num barril que apodrece com o tempo, largado numa esquina, a criar bichos e sujidade, sem que os serviços sanitários dele se desfaçam), mas o homem viril que assume, apesar dessa sua condição de macho pulsante de testosterona, a vertente do auto-prazer anal assumido. Note-se: Ferrão, na pequena estufa recriada no seu barril, lugar onde cultivava montes de vegetais, assumindo, assim, uma posição autónoma na vida, de quem não necessitava da figura do outro para subsistir, não, Ferrão possuía os meios de sobrevivência todos no interior do seu barril, víveres inclusos! Isto nada tem a ver com o auto-prazer anal, claro; contudo, uma das espécies vegetais que Ferrão criava e cuidava no seu micro-mundo vegetal, era, nem mais nem menos, o agripino, tratado tantas vezes a nível de personagem. Ora, o que era o agripino, senão um dildo? Claramente, Ferrão usava o agripino com fins masturbatórios, assumindo, deste modo, uma quebra de tabu quanto ao homem que se quer, e perdoem-me o popularismo retrógrado, "virgem de cu". Nada disso. Ferrão assumia que se masturbava analmente. Era um homem completo, em todos os sentidos, não escondendo também a sua antipatia, à qual tinha também direito. Ferrão era uma personagem complexa. Uma pérola de sabedoria, no ecossistema da Rua Sésamo.
Havendo muito mais a tratar, despeço-me por enquanto no que concerne este tema polémico ou nem tanto, prometendo uma continuação no próximo post.

quarta-feira, junho 15, 2005

Eles não me deixam instalar o Netscape

Na sala dos computadores da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, sita na Avenida de Berna, defronte da Igreja de Fátima, os senhores garbosos do departamento de informática usam rede Linux, mas não permitem a instalação de outro browser que só este desenrascanço do Internet Explorer. Eu não gosto do Explorer e quero instalar o Netscape.

Também não quero ir embora hoje. Não quero ficar sozinho tantos dias durante tanto tempo - não porque não goste da minha companhia, entenda-se, mas apenas porque não quero deixar outra Pessoa também Ela sozinha.

(Às pessoas que aqui vêm e gostam de alguns textos, mas não de todos, saiba-se que tenho outros dois blogs, com textos provavelmente mais do interesse e agrado geral. http://lonelygigolo.blogdrive.com e http://exanimatus.blogdrive.com que podem visitar. Pronto. Este espaço pretende-se mais outra coisa que nem sei bem o quê...)

sexta-feira, junho 03, 2005

Praia jeitosa

Não creio que alguma vez tivesse tido medo de ficar sozinho mas agora olho para mim e estou um pouco assustado. Porque há demasiada gente demasiado perfeita à minha volta.

E nunca serei como eles.

E nunca serei uma pessoa normal. E nem sequer quero entrar em discussões sobre o que é ou deixa de ser normal... sei lá.

E nunca gostarei do verão e da praia e outra coisa que me irrita é a alegriazinha nas pessoas. Em todas
as
pessoas.
Cultivo assim uma hortazinha de ódio universal.

terça-feira, fevereiro 01, 2005

Hojé é dia 1 de Fevereiro

Só hoje é que me estou a lembrar de algumas coisas das quais me devia ter lembrado em Janeiro. Este ano ninguém brincou comigo, quando, no dia 2 de Janeiro, diriam que tinha sido encontrado um homem com quantas orelhas quantos dias tem o ano. Piada que me irritava. Este ano senti hoje saudades disso. Não choveu, ainda. A água do poço preocupa-me na sua escassez. Não tenho água da companhia. Estou preocupado, sim, com um sem-número de coisas... com a distância, com a ausência, com a falta, com a falta de água, até.
Mas também concluo que estou apaixonado, e acho que isso é bom... é bom, não é? Apesar da distância e da ausência e da falta, até da falta de água.