segunda-feira, maio 08, 2006

"Eh, pá! Houve um boss que dropou ali alta sword para o meu priest!" *, ou o fascínio dos MMORPGs e MMOGs em geral.

Toda a gente que me conhece sabe do meu às vezes doentio fascínio por jogos de computador e da minha análise um tanto ou quanto parcial em relação a esse mesmo tema. Este é mais um desses bonitos e didácticos textos, portanto, peço desculpa e até alguma paciência.
Como é possível ver, pelo meu perfil (ver à direita), sou um marmanjo já passado da fasquia dos vinte anitos, logo, passei por algumas experiências em termos de jogos que muita cambada de jovenzinhos porreiraços e malucos não passaram. A minha primeira consola foi uma NES, quando tinha seis ou sete anos, e o meu primeiro jogo (aparte o Super Mario Bros., incluso no pacote promocional da consola) foi The Legend of Zelda naquele fabuloso cartucho dourado. Para mim, sim, é verdade, aqueles eram os verdadeiros dias dourados dos jogos de vídeo, onde os jogos contavam pela sua jogabilidade e inovação, ao invés da capacidade de processar um certo número de polígonos e cálculos e efeitos de luz e fumo e sombra por segundo. Depois, veio a geração de 16bit, um autêntico bombardeamento em termos de inovação dos títulos disponíveis para as consolas, não só a nível gráfico, como, obviamente, a nível da capacidade que os jogos agora tinham de contar histórias e mostrar até alguma arte por parte dos criadores. Sim, é isso que eu aprecio nos jogos: o processo criativo dos produtores/realizadores (como nos filmes, exactamente), que os leva a conceber aqueles mundos e aquelas situações. Um jogo de vídeo, na minha concepção, passando por todas as suas fases (criação, concepção, pesquisa, arte conceptual, argumento, programação, lançamento, publicidade...), não é, nem nunca foi, muito diferente de um livro ou de um filme, às vezes até de um quadro. Há cerca de vinte anos que este vosso caro joga jogos de vídeo. Não sou nenhum entendido no assunto, nenhum pro na coisa, mas sei o que sei e, para além de tudo o mais, considerando que é isso o mais importante, sou capaz de pensar por mim, e não jogar só o que as revistas ou os sites ou os programas de jogos me aconselham. Ora, hoje em dia, ninguém tem uma opinião formada.
Ultimamente tenho saído com adolescentes que só jogam aquilo a que, carinhosamente, chamo de "comercialada", ou seja, jogos que cairam numa fórmula certa de sucesso e nunca dela sairam. Jogos como Grand Theft Auto, Elder Scrolls, Hitman, Splinter Cell, Call of Duty, entre muitos outros, maioritariamente First Person Shooters (FPS) e jogos de acção de fórmulas fáceis, que pouco ou nada puxam pela criatividade dos realizadores/produtores dos jogos. É óbvio que não pretendo que se volte a jogar RPGs como originalmente, numa cave escura e poeirenta, à noite, apenas com quatro ou cinco pessoas, uma folha de papel, lápis e canetas, uma pessoa que faria de Dungeon Master (hoje em dia, num jogo de vídeo, este Dungeon Master seria o programador, realizador e inteligência artificial, tudo ao mesmo tempo), e muita imaginação e criatividade, mas confesso que abomino o que aconteceu aos jogos de vídeo actualmente. Para além de um grupo de pessoas que sente algum fascínio gratuito apenas pelos gráficos e pela violência, sem dar importância alguma ao que se fez antes dos jogos actuais, e sem reconhecer o valor dos jogos antes da era 3D, irrita-me sobretudo a nova geração de jogadores online. Há uns anos atrás, começaram a surgir os primeiros jogos multiplayer jogados através de uma ligação de internet. Nessa altura, como em todos os inícios, os jogos online eram o que deveriam ter continuado a ser, um sítio onde se convivia e onde cada um vivia a sua aventura individual, sozinho ou em grupo, onde ninguém reclamava com ninguém, simplesmente se andava ali, a explorar um (geralmente) vasto e novo mundo virtual, onde cada pessoa podia viver a sua experiência própria, convivendo com outros jogadores como lhes conviesse. Estes jogos, na sua maioria RPGs (Role Playing Games, ou seja, jogos em que o jogador assume um papel numa história - usualmente o de protagonista, embora não necessariamente), eram uma lufada de ar fresco e de inovação no mundo um pouco parado dos jogos de vídeo de então. Houve até muitos MMORPGs de carácter alternativo que, ou nunca vingaram, ou tiveram que se tornar (como verão, mais à frente, no texto) comerciais - um exemplo destes RPGs "traidores" é o, anteriormente genial e hoje absurdamente blockbuster e vulgar, Survival Project International. De seguida, os FPSs passaram também a ter suporte online, chamando toda uma faixa de gente muito mais superficial, apenas concentrada na perfeição e na competição, no facto de serem melhores e mais violentos e superiores a todos os outros jogadores que se atravessem no seu caminho. Desenvolveram técnicas baratas para serem bem sucedidos nas suas "missões" de subirem a escala de melhor jogador, ficando escondidos, saltando sem parar, entre muitas outros bonitos e leais e justos métodos de se relacionarem com o jogador que quer tirar o partido de um jogo, sem ser (outro termo carinhoso) "cagão". Apenas a vitória importa, para estes jogadores actuais. Cedo, aquilo que nos MMORPGs (Massive Multiplyer Online Role Playing Games) era chamado de "newbie", ou "noob", isto é, alguém que joga há pouco tempo e está ainda a aprender as técnicas do jogo, ou seja, alguém que devemos respeitar e ensinar, se tornou num termo depreciativo, para designar todos aqueles que, por vários motivos, não seguem aquilo que essas pessoas acham que são as "regras básicas" do bom funcionamento competitivo, só porque quiseram fazer algo de diferente - coisa que, supostamente, seria promovida, em vez de abafada. No fundo, hoje em dia, se alguém faz parte de uma equipa e não respeita as ordens daquele que se auto-intitula como o "Pro", querendo fazer a sua própria história, é logo, imediatamente, apelidado de noob. E está marcado para o resto da sua experiência enquanto jogador de jogos online, sendo até, na distância do lar do dito "Pro" e seus camaradas carneiros da manada de MMOGs (Massive Multiplayer Online Games), convidado e incitado a abandonar o mundo dos jogos online, por não "os saber jogar como deve ser". Tudo começou quando os jogadores de FPSs online começaram a interessar-se por alguns MMORPGs de fórmulas mais comerciais e fáceis, como o Lineage II, da NCSoft, ou, mais recentemente, o estupidamente comercial World of Warcraft. Foi o pior que poderia alguma vez ter acontecido. Para cativar estas pessoas, estes jogos nada têm de inovador ou alternativo, são apenas jogos que repetem o que sempre se fez em RPGs desde a época do ASCII (jogos feitos no sistema operativo de directórios, programados com simples caracteres - letras e símbolos variados - para os computadores), repetindo-o e repetindo-o e repentindo-o sem nunca reformular nada, até à exaustão. E estas pessoas, esta nova geração de jogadores, recusa-se a olhar para trás, para o que se fez nas consolas de 8 e de 16bit, onde tudo o que eles jogam surgiu, com muito mais inovação do que, sinceramente, as versões que eles tanto adoram e consomem hoje em dia. Isto gera vários factores que eu, não sendo nada parecido a um sociólogo, não irei interpretar.
Como já o disse, estes novos jogadores são adeptos do jogo fácil e competitivo, em que ganhar através de todos os meios é premissa certa e indiscutível. Já nos jogos de singleplayer, são pessoas que se recusam a fazer os seus próprios esforços, indo procurar ajuda sobretudo à internet, para depois dizerem que passaram tal jogo com todos os segredos e todos os sub-níveis e sub-missões desbloqueados, completos, acabados, etc. Nos jogos online, são jogadores que utilizam patches e mods e hacks e cheats e códigos, para terem toda a facilidade do seu lado. São uns merdas, no fundo, peço perdão pela vulgaridade, mas é o que realmente me apetece dizer... e são, também, pessoas que tentam ser cool e in e bem e fixes e porreiras, e recusam-se a traduzir as coisas, mesmo que se estejam a referir a items gerais, que têm a sua tradução para português... meus caros amigos, eu vou-vos dizer isto, de uma vez por todas: A MENOS QUE SE ESTEJAM A REFERIR A UM ITEM ESPECÍFICO (i.e. "Sword of Omens", nos Thundercats, "Master Sword", em The Legend of Zelda, etc.), OS ITEMS GERAIS (espadas, maças, machados, adagas, túnicas, armaduras, flechas, arcos, tudo, meus amigos, TUDO!) PODEM E DEVEM SER REFERIDOS PELOS SEUS NOMES EM PORTUGUÊS! Refiro-me, não só a items, como a classes, para não ouvirmos as aberrações dadas como exemplo no título do texto, entre outras pérolas, ainda por cima quando o inglês é mal falado. Por exemplo, um desses jovenzinhos irritantes que infelizmente tem saído comigo aos Sábados à noite, e com quem tenho tido o desprazer de conviver (para quem a vida não vai mesmo além de jogos de vídeo - embora apenas a supra-citada "comercialada"), refere-se bastantes vezes a "robes" (túnicas, no contexto do jogo) em inglês, dizendo-o como em português. Meus queridos e joviais camaradas: em português, um robe é mais uma coisinha que se veste em casa, com chinelinho e lencinho, para se fumar um cachimbo à lareira, está bem? Deixem de ser irritantes e pseudo-cool, e chamem as coisas pelos nomes, não é por dizerem as coisas em português que o jogo deixa de ser melhor. Ah, e não é por causa de a Gamespot dar grandes notas aos jogos, que eles passam a valer a pena, desculpem acordar-vos para a realidade, mas é assim... felizmente, todos temos a nossa própria opinião. Joguem comercialada, meus queridos e estimados colegas de existência, mas ao menos reconheçam que a comercialada, o blockbuster dos jogos de vídeo, não presta, caiu em fórmulas sempre iguais e demasiado fáceis, que, espero, se gastem, mais tarde ou mais cedo.
Deixem que os MMORPGs voltem a ser o que eram. Deixem cada um jogar como quer. Deixem cada um fazer de um MMORPG aquilo que é suposto fazer: ter o seu próprio e distinto papel numa história que também é sua. Respeitem os ritmos de cada um. Não obriguem as pessoas a vergarem-se a um estilo de jogo, se não querem. E parem com a competição e com a ofensa desenfreadas. Porque também há sempre alguém para vos dar na boca.
E porque a vida, meu amigos, vai para além dos jogos de computador e de vídeo, e os próprios jogos de vídeo vão para além disso que vocês pensam que eles são. Pelo menos os jogos de vídeo REALMENTE inovadores e REALMENTE bons em termos de jogabilidade. Mesmo que tenham aparecido há vinte anos atrás. E um dia, acreditem, será só isso que resta. Apenas esses jogos serão referenciados como obras-primas.

Um abraço. E gastem muito dinheiro nas vossas subscrições ridículas de WoW. E não tenham vida própria. E não abram os vossos horizontes.



* - leia-se "su-órd" em vez de sword e "pri-ésst" em vez de priest. Grato pela atenção.