sábado, agosto 25, 2007

No rescaldo do concerto da Jacinta, em Óbidos


O meu bilhete era o noventa e sete, comprado, por dez euros (nem o mínimo desconto, caramba!), no Posto de Turismo de Óbidos, à irmã da Filipa Cabaços (Joana?), quase uma semana antes do concerto. O estado do tempo, nos dias que antecederam o espectáculo, não deixava prever que fosse estar uma noite tão agradável. Estava, de facto, e a própria Jacinta (que entrou, como seria de esperar, ligeiramente atrasada em palco) o constatou, alegando que o São Pedro estava, com certeza, do seu lado, uma vez que, desde que tinha chegado a Óbidos, dois dias antes, só tinha sido recebida por um vento gélido em toda a parte.
O auditório (no fundo, toda a parte do antigo celeiro da raínha, na Cerca do Castelo) estava relativamente cheio, presumo que não tão cheio como nas noites de ópera, ou nos dias dos outros concertos de verão (Teresa Salgueiro, João Pedro Pais & Mafalda Veiga e Mariza) - presumo, apenas, uma vez que não faço questão de ir aos outros, e a ópera já passou -, mas, de qualquer forma, estava "composto". A maior parte, habitantes locais, pouco habituados a jazz, que aproveitam simplesmente o facto de terem concertos à porta - e tão baratos. Atrás de mim estavam uns pseudo-tios, que, antes do espectáculo, não se calavam com conversas em torno de sapatos e sandálias Fly, sendo que houve mesmo uma altura em que a dita sandália, e respectivo pé, se encontraram lado a lado com a minha bochecha esquerda, dado que a querida donzela pretendia exibir tal peça de calçado a outrém, ao seu lado, e o espaço entre filas era mais que apenas reduzido: era praticamente inexistente. Os joelhos da titia tocavam-me nas costas e o braço da namorada pertencente a um casal alemão, cujo elemento masculino se encontrava sentado à minha frente, passava por cima dos meus próprios joelhos. Também não havia grande espaço para os lados, mas como, de um lado, tinha apenas um amigo meu, com o qual tenho algum à-vontade para o contacto físico e, do outro, mais um factor masculino de um casal, que estava mais entretido com a sua parceira, do que com o concerto em si, sendo que passou todo o tempo em cima dela, o que me dava algum espaço de manobra, para o lado esquerdo. Ficámos de frente para o palco, mas numa bancada onde toda a gente parecia não ser grande apreciadora de jazz - não havia palmas para os solistas, mesmo quando a Jacinta pedia, ninguém cantava com ela, enfim, o típico "espectador-desligado que aproveita tudo sem gostar realmente de nada". Já na bancada do nosso lado esquerdo (onde, não sei porquê, devia ser do magnetismo que vinha dali, ponderei ficar, quando chegámos), estava o público do jazz em peso; alunos da ESAD, frequentadores da semana de jazz do Valado dos Frades, pessoal que conheci de vista, do Trombone, alguns "conhecedores", indubitavelmente pessoas de fora e, em geral, fãs e apreciadores. Olhando para o anfiteatro, conforme se enchia (chegámos muito antes da hora, bebemos ainda uma ginja, antes do concerto, e fomo-nos sentar, sendo que vimos ainda o espaço a encher), concluí que, se bem que Óbidos tem, de facto, o ambiente para o jazz, não bate o jazz tocado, de forma mais intimista, num clube ou num bar, em frente a uma mesa, e não em bancadas.
Fora isso, o céu estava lindo, viam-se todas as estrelas e, quando a Jacinta entrou em palco e começou a cantar as primeiras notas de "Decide Lá" (I'm Beginning to see the Light, do Duke Ellington, adaptado para português), até o pormenor de alguns aviões, no céu, se tornou delicioso. Foi complicado não me mexer mais, não exteriorizar mais, dado que o espaço era pouco e, de todos os lados, parecia haver pouca abertura a demonstrações físicas de musicalidade cá dentro a querer saltar para fora, ainda para mais quando tocaram as versões jazz do Zeca - geniais, todas elas, sobretudo "Foi Coimbra os meus amores" (Oh Coimbra do Mondego) e Tenho um Primo Convexo. O quarteto que a acompanhava era genial, destaco, de entre eles, o baterista e o contrabaixista (é estúpido, ela até fez questão de apresentar os elementos do quarteto por duas vezes, mas não me recordo dos nomes de nenhum... seria a ginja a fazer efeito?), embora o saxofonista tenha tido uns solos muito bons e o pianista, em muitas ocasiões sem Jacinta tenha sido, sem dúvida, a alma do palco. O concerto levou-nos a Bessie Smith, Djavan, Jobim, passando por Porter e Ellington, todos grandes mestres do jazz e do blues, interpretados com a magia e o respeito de uma mulher que se tornou quase música, em cima do palco, vagueando pelos ouvidos e pelas cabeças e - acima de tudo o resto - pelos corações do público. É certo que o mesmo público, habituado talvez às óperas, que têm intervalos, esperava que o concerto durasse mais, sendo que poucos se aperceberam que o fim do concerto era o fim do concerto e não o fim da primeira parte... É certo, também, que não cantou nem acompanhou, nem sequer quando a Jacinta pediu (à excepção da Canção de Embalar, do Zeca Afonso, música em que toda a audiência, mais ou menos, enfim, participou)... mas duvido que alguém não se tenha deixado contagiar por momentos de jazz do mais puro e brilhante que se pode ter a oportunidade de ouvir.
É para repetir. E esperar que a Óbidos Patrimonium, empresa a cargo de quase todos os eventos culturais da vila, tenha percebido que Óbidos tem, seguramente, mercado e espaço para o jazz.

N.A.: Depois de me terem informado, decidi adicionar este apontamento: referi o concerto da Teresa Salgueiro como tendo, presumivelmente, mais gente que o da Jacinta mas, de facto, esqueci-me de informar que a Teresa Salgueiro cancelou/adiou o seu espectáculo, devido ao mau tempo. De qualquer forma, continuo a presumir (sou uma pessoa que presume muito) que estariam mais pessoas nesse concerto, se tivesse decorrido, do que no de ontem.

Sem comentários: