quinta-feira, maio 29, 2008

Filosofia de Vida

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2. Buzinou um automóvel. Uma aragem fresca, vinda do mar, percorria o meu rosto. Eu sentia-me tão vivo. Poeta do instante, aparentemente, mas será a poesia uma vocação ou uma carreira política? Aprendiz de feiticeiro sem me dar conta disso? Eterno adolescente, iludido ou hesitante sobre o sentido das palavras. O sentido? Eu pensava que só pelo sentido vivemos e morremos, era a minha obsessão. Devia ser a minha maneira de pretender que tinha uma filosofia de vida.
Tão suave a tarde de Verão. No país deserto de presenças, onde nenhuma revelação parecia possível, os figurantes do filme repetitivo do quotidiano iam desempenhando o seu papel distraidamente. Como se não soubessem que faziam parte da ficção, como se não tivesse importância o facto de tudo acabar em breve. E nós de fora a olhar, espectadores do nosso próprio destino.
Impossível fazer parte da história, entrar no enredo das vidas alheias. Tu, menina sentada no café, em vez de comeres chocolates, escrevias cartas, ouvias música, bebias água mineral. Uma filosofia de vida? Os óculos escuros tornavam-te tão inacessível como aos olhos que escondias.
Que tédio. Que confusão. Que tempo inútil.

João Camilo, in O Som Atinge o Cimo das Montanhas, Entroncamento, Ovni, 2006.

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