domingo, julho 25, 2010

monólogo a pedido

Tenho uma pessoa muito especial (se não a pessoa mais especial) que me pediu isto: que escrevesse no meu blog sobre as minhas teorias ou sobre literatura. Ao certo, sobre o quê? As minhas teorias são desconexas e não fazem sentido, sem ser para mim. Nem sequer posso dizer, em boa verdade, que tenho teorias.
As minhas teorias são numa veia de "anti-teoria", isto é, abomino quem pensa por todos, quem presume e pretende e deseja pensar por todos, oferecer uma verdade universal embrulhada em boas intenções e um intuito qualquer de evolução mental. A única teoria, que tenho, ou, pelo menos, a única que sigo, é a de que devemos ser o que somos, que devemos parar de tentar explicar o que sentimos às luzes tão desfocadas de um conhecimento científico e psicológico/psiquiátrico, tudo sempre sendo refutado dia após dia. Somos só um composto de coisas, depende de nós se lhes queremos chamar doenças ou cartilagens ou nervos, se lhes chamamos alma, genuidade, características, carácter, ser, propriedade. Somos isto: existimos, sentimos. O que somos é, em última análise, o que sentimos, somos todos muito egoístas, a esconder isso porque a sociedade ocidental milenar e patriarcal e judaico-cristã e platónica e socrática nos ensina: "o egoísmo é mau". E talvez seja, mas, vistas bem as coisas, somos todos egoístas. A pedir que nos deixem em paz, a não saber deixar os outros em paz, numa demanda quase absurda, de impossível, em busca da nossa própria felicidade e auto-preservação. Mantemos um altruísmo de causas sociais, de abnegação, para esconder um egoísmo último que carregamos cá dentro. E somos altruístas porque alguém nos prometeu o céu ou uma recompensa por esse altruísmo.
Se a nossa genuidade é a única coisa que temos, e a nossa genuidade e a nossa integridade comportam um egoísmo, porque não assumir esse mesmo comportamento? Porque, depois, enfim, recebemos o comportamento de volta. Só recebemos o que damos. Pedimos muito e às vezes não damos nada, portanto, ninguém nos devolve o que não demos. Não há o que devolver. Mas devíamos, ao menos, assumir o nosso egocentrismo inerente a ser humano. A nossa necessidade de ser, de ser tudo, de ser o centro de tudo. Preservamo-nos, apesar de tudo, e vamos desaprendendo uma inocência infantil que nos deixava, enfim, vulneráveis às armadilhas de viver: ao amor, à entrega, ao compromisso, à responsabilidade. E a vida deixa de ter piada, porque complicamos as coisas que à partida seriam simples. O amor, no seu estado puro, é simples. Mas nós não aguentamos. Não aguentamos, porque complicamos. Não nos basta sentir, temos que explicar, temos que sobreviver, que decidir que o amor não chega, que já não somos crianças, que o mundo não é um lugar para crianças.

Enquanto eu for uma criança o mundo há-de ter que ter um espaço para mim, dê lá por onde der.

5 comentários:

Anónimo disse...

Eu acredito no altruísmo genuíno, sem qualquer tipo de crença em karmas ou recompensas do além. Acredito realmente que existem pessoas altruístas, generosas,que pensam mais em si do que nos outros; não que isso seja sempre positivo, mas a realidade é que as conheço bem de perto. Concordo: é impossível pensar pelo outro e inútil tentar oferecer uma verdade universal que sirva a todos; assim sendo e à luz deste pensamento como é que se pode afirmar que "somos todos egoístas"?
Gosto sempre de te ler, e acho que este tema devia ter continuação. Que concluir então? Que "o amor, no seu estado puro, é simples" e egoísta? Concluímos? Ou assumimos simplesmente o mistério das coisas?
Enquanto tu pertenceres ao mundo das letras das crianças crescidas ele há-de ter que ter um espaço para ti, dê lá por onde der.

R.Joanna disse...

Dizes que "a vida deixa de ter piada, porque complicamos as coisas que à partida seriam simples." Mas creio que essa é, provavelmente, a questão que parecendo de mais fácil aceitação no teu texto (até porque é uma ideia recorrente, quase proverbial), não deixa de ser apenas uma opinião: pessoalmente, até acho que viver as coisas só para as sentir (ou só sentindo-as) não chega, fazê-lo sim não teria piada nenhuma (pensar só é estar doente dos olhos às vezes).

Quanto ao facto de o amor ser simples discordo mesmo; acho que dificilmente pode haver sentimento humano mais complexo do que o amor. Principalmente se está, como dizes, no seu "estado puro", pois aí, sem motivação mais simples que o ampare, vale por si mesmo e é lixado como tudo (mesmo sem a nossa ajuda para o tornar ainda pior).

André Capinha disse...

Ah, diz-me a verdade acerca do amor

Há quem diga que o amor é um rapazinho,
E quem diga que ele é um pássaro;
Há quem diga que faz o mundo girar,
E quem diga que é um absurdo,
E quando perguntei ao meu vizinho,
Que tinha ar de quem sabia,
A sua mulher zangou-se mesmo muito,
E disse que isso não servia para nada.

Será parecido com uns pijamas,
Ou com o presunto num hotel de abstinência?
O seu odor faz lembrar o dos lamas,
Ou tem um cheiro agradável?
É áspero ao tacto como uma sebe espinhosa
Ou é fofo como um edredão de penas?
É cortante ou muito polido nos seus bordos?
Ah, diz-me a verdade acerca do amor.

Os nossos livros de história fazem-lhe referências
Em curtas notas crípticas,
É um assunto de conversa muito vulgar
Nos transatlânticos;
Descobri que o assunto era mencionado
Em relatos de suicidas,
E até o vi escrevinhado
Nas costas dos guias ferroviários.

Uiva como um cão de Alsácia esfomeado,
Ou ribomba como uma banda militar?
Poderá alguém fazer uma imitação perfeita
Com um serrote ou um Steinway de concerto?
O seu canto é estrondoso nas festas?
Ou gosta apenas de música clássica?
Interrompe-se quando queremos estar sossegados?
Ah! diz-me a verdade acerca do amor.

Espreitei a casa de verão,
E não estava lá,
Tentei o Tamisa em Maidenhead
E o ar tonificante de Brighton,
Não sei o que cantava o melro,
Ou o que a tulipa dizia;
Mas não estava na capoeira,
Nem debaixo da cama.

Fará esgares extraordinários?
Enjoa sempre num baloiço?
Passa todo o seu tempo nas corridas?
Ou a tocar violino em pedaços de cordel?
Tem ideias próprias sobre o dinheiro?
Pensa ser o patriotismo suficiente?
As suas histórias são vulgares mas divertidas?
Ah, diz-me a verdade acerca do amor.

Chega sem avisar no instante
Em que meto o dedo no nariz?
Virá bater-me à porta de manhã,
Ou pisar-me os pés no autocarro?
Virá como uma súbita mudança de tempo?
O seu acolhimento será rude ou delicado?
Virá alterar toda a minha vida?
Ah, diz-me a verdade acerca do amor.

W. H, Auden

groze disse...

Obrigado, tanto, a todos, pelas palavras, ainda que (ou particularmente por serem) discordantes.

aquelabruxa disse...

eu dou abraços, se alguem os quiser.