quarta-feira, fevereiro 29, 2012

ainda mais uma pequena hecatombe equivalente a toda uma guerra mundial, dentro do espaço físico ainda viável de mim

Sempre que possível, não leiam traduções. Por favor, se me estimam - e quem me conhece e gosta de mim e preza minimamente a minha opinião - não leiam traduções. Não leiam traduções sobretudo de poesia. Mas não leiam traduções, ainda que de prosa, porque felizmente já estamos aqui todos depois da Virginia Woolf, e as distinções entre prosa e poesia vão-se tornando cada vez mais ténues, ao ponto de se entretocarem e complementarem.
Os métodos poéticos de hoje em dia são velhos. A poesia, em Portugal, pelo menos, não tem sabido avançar por aí além. Parou-se num passado recente, sim, recente, mas, nesta época, o passado recente já não apresenta fórmulas que saibam a novo. Não se procura uma nova linguagem nem um novo "qualquer-coisa", aliás, para se dizer. E os tradutores, mesmo que poetas, mesmo que "poetas do seu poeta", trazem coisas para a nossa língua que até podem ser boas, no original, mas, no português-das-traduções, ficam pesadas e com um ar bolorento, emproado, empoeirado. Esquecem que a linguagem a usar já não deve - nem pode - ser uma linguagem erudita, elevada, acríbica, "clássica". É a linguagem de todos os dias, de um quotidiano real. E não é isso que se vê. 
Portanto, a menos que não dominem a língua original, recusem-se a ler traduções. Uma das coisas boas (das raras coisas boas, se se quiser) da massificação e da globalização é o surgimento de lojas online, através das quais se podem encomendar livros mais baratos do que se comprariam nas lojas físicas do nosso país (e de outros). Para se comprarem autores "luso-falante-escreventes", continuo a recomendar vivamente que se mantenha viva a economia das livrarias e alfarrabistas nacionais (eu, que sou pouco ou nada nacionalista e/ou patriótico) mas, para se adquirir um livro de um autor estrangeiro, se se fala a língua desse, encomende-se na internet. Não comprem mais traduções, por favor. Evitem-nas a todo o custo, a menos que se trate de uma impossíbilidade. Se comprarem traduções, ao menos que seja uma edição bilingue, para terem acesso, no mínimo, à "coisa" original.
Gabem os vossos amigos que eventualmente façam traduções, mesmo que mintam (e, geralmente, mentimos ao fazê-lo, reconheçamos), porque é "um bom exercício" e "é necessário que alguém o faça". Mas, aconselho, se tiverem outro tipo de amizade e intimidade com eles, digam-lhes que, se é para traduzir, tentem ser mais "poéticos", que busquem a poeti-cidade que nos é exigida branda mas indelevelmente nos dias que correm. E não leiam traduções. Por favor, não leiam traduções.
Caso encontrarem boas traduções de algum autor anglo-americano, pelo menos, digam-me. Façam-me esse obséquio. Agradeço imenso. Que, até hoje, tirando livros técnicos e romances de "estrutura e fórmula clássicas", não encontrei nada, traduzido, que me tivesse dado prazer.

N.B.: lembrei-me de um exemplo de uma boa tradução: O Inominável, de Beckett, editado pela Assírio & Alvim. E haverá outras, decerto. Mas tenho encontrado tanta mais má tradução, que nem sequer dá para brincar com isso.

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