sexta-feira, outubro 28, 2005

a cor das mãos é igual à cor do estômago

Que sou? Quem sou? Não peço respostas nem quero sequer fazer as perguntas. Tenho um corpo mais ou menos bom. Serve para o que serve. Nem sempre serve para pensar. Nem sempre serve, às vezes dói. Dói um bocadinho, pelo menos.
Não acredito nas revistas e não sei o que guardam para mim. Para além da humanidade, não sei mais no que me hei-de inserir... não me sinto "sagitário", não me sinto "religioso", não me sinto "acolhido", não me sinto capaz de "gostar". Não sou capaz de gostar, pelos vistos. Acredito que há um local escondido, onde homenzinhos ridículos que não lavam o cabelo e não lavam os dentes e não ouvem música e não lêem livros e não fazem realmente nada, para além de respirar, vivem, e às vezes penso que quando nasci houve algma espécie de cisão universal e trocaram-me com alguém deste espaço que existe aqui. Noutro sítio alguém que vive e convive e não se põe à parte de tudo deve concerteza existir e pensar que no momento em que nasceu houve uma cisão universal para que nos trocassem, não faço ideia das vezes em que já terá pensado "morte" ou qualquer coisa do género... seremos diferentes mas até que ponto não iguais no nosso desconsolo existencial? Noutro sítio alguém não se sente sagitário ou seja lá o que for que as revistas nesse outro sítio dizem que deve ser, noutro sítio alguém não gosta que não hajam políticas sociais, alguém não gosta que tudo seja um marasmo e que ninguém escreva nem leia nem
pense.
Não há nada, para mim. E o que há parece que me foge sem que possa fazer alguma coisa de realmente relevante. Como
sempre
aliás.

quinta-feira, outubro 20, 2005

Michelle

Porventura não sei quem é o que me olha de um lado estranho. Somos quatro numa sala de café qualquer, eu e outros três, um desses três fuma e não sou eu, dois bebem e dentro desses dois que bebem um bebe moscatel do douro e esse também não sou eu, três lêem um livro e entre esse três também eu leio. Dois olham para mim e pensam não sei em quê e eu penso em mortes, nas formas como os decapitaria, nas formas como os amarraria e cravaria lâminas primeiro devagar, depois com força, cada vez e sempre com mais força, limpando tudo cuidadosamente com um pano, as lâminas enferrujadas só no fim, um ou outro vidro aqui e ali, álcool q.b. sobre as feridas, sal a gosto por debaixo da pele;
porventura não sei os nomes de ninguém, destes três e até destes quatro, e penso em mortes, nas suas, na minha, um homem de preto a atirar um piano de um quinto andar sobre um corpo e esse corpo ligaduras num hospital
soro
monitor de tensão
sons aquáticos nas artérias
moscatel nas artérias,
michelle entra no quarto trazendo flores e paz e nesse momento ácido pítrico na cara de michelle, para que se desfigure e morra sufocada no seu próprio vómito e no gás do ácido entretanto já pelo chão.

sorvo um café devagarinho. e ninguém sequer sonha que sou isto tudo cá dentro.

quarta-feira, outubro 19, 2005

Eu sou um cocó

Não é por nada, a sério... por favor, já disse que não é por nada, não é por nada, mesmo! É só que chega de vez em quando a algumas alturas do ano e todo eu sou uma bolinha ridícula de muita raiva acumulada que não sei nem saberia pôr ao serviço de nada.

Eu sou egocentrista e egotista e não gosto de estar sentado ou a conviver com muitas pessoas (entenda-se, mais de três), porque sei que não vou ter a atenção

TODA.

sexta-feira, outubro 07, 2005

À Massa estudantil e activa da UNL-FCSH

Peço-vos humildes desculpas. Peço desculpa por não usar sandálias. Peço desculpa por não ser freak. Por não ser rastafari. Por não ser de esquerda. Por não ser de direita. Por nem sequer perceber como funciona o sistema governativo português. Peço desculpa por não ter causas sociais. Peço desculpa por não fumar erva. Por não inalar coca. Por não beber cerveja. Peço desculpa se gosto de whisky e se não entendem que goste de whisky e não goste de cerveja. Peço desculpa se não ouço reggae. Peço desculpa se não aprecio arte minimalista. Se não procuro avidamente tudo o que é cinema francês underground e cultura urbana. Desculpem-me se não sou sensível nem vegetariano nem canhoto nem percebo de arte nem de música. Desculpem-me se não toco nenhum instrumento. Desculpem-me se sou agressivo e pouco tolerante para com os intolerantes e para com os tolerantes também. Desculpem-me acima de tudo se não creio que revoluções políticas salvem o mundo. Desculpem-me por tantas coisas... por não ler jornais nem ver noticiários. Por não saber de filosofia. Por não ser homossexual ou pelo menos bissexual. Por não gostar do Verão. Por acreditar num deus. Por não ler os grandes pensadores da história e preferir poesia. Por não gostar nem compreender muito bem canções de intervenção. Nem poesia de intervenção. Peço desculpa se não sei nem gosto de dançar e não gosto de discotecas nem de bares com demasiado barulho. Peço desculpa se não sei fazer nem manter amigos. Desculpem-me sinceramente se não sou contra nem a favor da liberalização das drogas leves. Perdoem-me se quero apenas ser assim sem ser incomodado por todos. Perdoem-me se me incomoda que se imiscuam no meu espaço.

Peço desculpa se não me preocupo com as coisas e peço desculpa se sou fiel à minha Pessoa e não quero nem penso mais ninguém para além dela. Peço desculpa se não consigo conceber a ideia de uma traiçãozita que não faz mal a ninguém. Peço desculpa se não saio à noite para engatar ninguém. Peço desculpa se ouço música sozinho e se raramente vou a concertos. Peço desculpa se não acredito em astrologia e se não acredito nos signos e se não acredito em religiões antigas ressuscitadas para combater a monotonia de uma cristandade acabada. Peço desculpa, meus queridos colegas, se me irrita tudo o que são. Peço desculpa se às vezes tenho vontade de lhes vazar os olhos, concerteza que também vocês têm de vez em quando esse desejo em relação a mim, por mais tolerantes que sejam (e são, decerto). Peço desculpa se não sou hindu nem budista nem muçulmano, peço desculpa se não simpatizo com os árabes do médio-oriente, se não uso khafias ao pescoço em sinal de amor e respeito e veneração ao Arafat e ao Bin-Laden e à Al-Qaeda. Peço desculpa se não sou anti-globalização nem anti-capitalismo.

Peço desculpa se, entre todos vocês, activos, como formigas que labutam uma sociedade nova, fico feito cigarra a ouvir jazz num buraco, sozinho, alheio aos vossos movimentos muito urbanos e muito culturais, os vossos museus de artes plásticas com móbiles feitos com lixo e com fios de pesca, os vossos museus de pintura contemporânea com quadros a realçar o branco das paredes, das vossas sessões de vídeo e cinema experimentais, dos vossos jantares-comício, das vossas festas-comício, dos vossos coffee-shops, dos vossos neurónios em combustão a pensar tudo por todos e para todos. Eu gosto muito de vocês, apesar de tudo.

Ao menos saibam isso.