quarta-feira, dezembro 24, 2008

Tempus Fugit

O tempo rodeia-me com as suas florestas,
os seus atalhos, os seus rios de instantes
brancos como as pupilas dos deuses.
Mas empurro-o: como se me obedecesse.
O tempo trata-nos como se fôssemos
animais de carga, casas desabitadas,
rochedos expostos num litoral de inverno.
São visíveis as suas marcas,
e ele obstina-se nesse trabalho como se fosse
uma arte, um exercício de gosto.
Cinzelador de imperfeição, raptor
do presente: quem poderá fugir
às suas mãos? Então, lembro-me de ti.
O verão batia nos toldos, fazia brilhar
as pedras, arrancava a luz aos tampos
das mesas. Ambos, fazíamos com que o tempo
não existisse; e o vento ajudava-nos,
não deixava que se aproximasse,
fazia com que entre nós e ele
batessem as folhas dos arbustos, como
grandes espantalhos verdes. De que serviu,
tudo isso? A tarde avançou por dentro de nós;
não sei onde estás; ouço, de quando em quando,
alguém dizer o teu nome: e não sei
se, hoje, reconheceria o teu rosto,
se me cruzasse contigo nalgum lado. É
o tempo. Como sair da floresta?, pergunto.
Como se houvesse resposta para todas as perguntas.

Nuno Júdice, in A Fonte da Vida, Lisboa, Quetzal, 1997

1 comentário:

aquelabruxa disse...

bonito. também já consegui parar o tempo... realmente não serve de muito, é temporário. lol