quinta-feira, julho 09, 2009

Trabalho Diurno

Esvaziei a tarde do sol que a enchia;
tirei a luz do céu, balde após balde,
e deitei-a para o poço sem fundo
onde ela caía, num baque surdo,
espalhando pedaços de brilho
pelas paredes húmidas. Quando
o dia ficou sem luz, tapei o poço
com a tampa, e perguntei se alguém
precisava de ser iluminado. Vinham
ter comigo; e perguntavam-me quanto
custava um grama de sol. Eu dizia-lhes:
«É mais caro do que a noite.» Mas eles
não se importavam, e juntavam-se
à minha volta, para que eu voltasse
a abrir o poço. E eu, sabendo que
a corda do meu balde não dava para
chegar ao fundo, pedia-lhes que
se atirassem para dentro do poço,
atrás da luz, se não queriam
a noite. Mas eles recusavam; e
afastavam-se na obscuridade,
deixando-me sozinho. Então, levantava
a tampa do poço - e via, lá no fundo,
a última luz a desaparecer no abismo.

Nuno Júdice, in A matéria do poema, Lisboa, Publicações Dom Quixote, 2008

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