Digo-o, atento a quantas vozes e quanta gente me cairá em cima, mas digo-o consciente de estar a falar uma coisa que para mim é verdade: a nossa selecção nacional de futebol de onze é, no máximo dos máximos, média/boa. Não está ao nível das melhores do mundo. Sim, com sorte, a bola é redonda, e tal, como um jovem iraniano disse, na televisão, alegando a hipótese que havia de eles próprios (Irão) vencerem a competição, poderíamos ganhar o campeonato do mundo, a decorrer neste momento, e até não sei quando, na Alemanha, essa grande nação. E quando digo "grande nação" não sei se estou a ser irónico ou não. Entendam como quiserem. Todo o meu bom Portugal, afundado na crise económico-social em que se instalou, na confusão da aplicação de Bolonha às universidades, na revolta do encerramento da Opel da Azambuja e consequente partida da manufacura do Combo para a Rússia, essa grande nação (cf. supra), no sentimento de tristeza e revolta pela perda das maçãs e pêras de Alcobaça, derivado do facto de ter caído granizo, da tristeza e revolta pela perda das uvas de mais de dois mil produtores vitivinícolas da região do Douro, derivado do facto de ter caído granizo, revoltado ainda com o processo interminável da Casa Pia de Lisboa e da pedofilia em geral, os assassinatos da Joana e da Vanessa, a violência nas escolas, o reforçar das facções cada vez mais emergentes e mais factuais da extrema-direita nacionalista, a subida de preços em praticamente tudo, as maternidades a fechar e os utentes (mais as utentes) a terem que ser transportados para maternidades bastante longe da sua área de residência, entre tantas coisas que entretanto sucedem por esse país fora, está, contudo, feliz e radiante, de carinha laroca pintada de verde e vermelho, tantas vezes com a discreta mas presente pequena faixa amarela atravessando o rosto a meio, precisamente cobrindo testa, cana do nariz e queixo, umas vezes mais direitinha do que outras. As meninas lá se juntaram no Estádio Nacional, com a Floribella e mais uma série de famosas recentemente brotando do chão da fama, e, em conjunto, formaram a "mais bonita bandeira do mundo". Tinham gabardines vermelhas e verdes, meu deus! Pareciam o capuchinho vermelho, mas numa parafernália de cores (parece que havia também o pormenor da esfera armilar e do escudo, portanto, teria que haver, no mínimo, vermelho, verde, amarelo, azul e branco). Alguém reparou no ar de enfado das mulheres fotografadas de perto? A bandeira mais linda do mundo é uma bandeira horrível, com uma péssima conjugação de cores, demasiado popular e populista para o gosto geral. Tirando, lá está, daqueles que crêem ser esta a bandeira mais bonita do mundo, pelo menos quando composta por mulheres, as quais, vá lá, se bem que nem todas bonitas, pelo menos grande parte delas escapava, para a maior parte dos homens portugueses. Isto, ainda assim, por mais ridículo que seja, é praticamente irrelevante. Prova apenas que somos óptimos a fazer coisas absurdas para termos uma entrada no livro dos recordes do Guiness, ao lado do homem que dá mais peidos por minuto, ou da donzela que tem mais pêlo no corpo.
Os portugueses acreditam mais que tudo nesta selecção. Que nem sequer é aquilo a que os entendidos chamam de "geração de ouro", ou coisa que o valha. A nossa selecção não irá longe neste mundial. É uma selecção inconstante e inconsistente demais, embora tenhamos o Cristiano Ronaldo e consequente delírio de jovenzinhas que não entendem nada de futebol ou de desporto em geral, mas simplesmente apreciam o peitoril demasiadas vezes visível desse garanhão madeirense, que felizmente conseguiu fugir da pérola do Atlântico e da provável prostituição masculina que, na qualidade de rapazola com poucas condições financeiras, que era, teria que suportar. Quem diz o peitoril, diz as pernaças ou até os belos glúteos, se bem que estes últimos, felizmente, não são tão visíveis como o tórax e a pernoca. A nossa selecção nem sequer é falada na imprensa estrangeira, pelo menos não tanto como a nossa imprensa nacional quer fazer parecer. E independentemente das rap'zadas da Galp, em que uma série de nomes conhecidos (ou nem tanto) dessa maravilha (isto, sim, era muitoirónico) que é o hip-hop nacional gritam que querem mais, sempre mais, muito mais, tudo isto sempre com luvinhas cor-de-laranja nas mãos, provavelmente com palavras de apoio dirigidas à selecção pelos hip-hoppers em questão, pelos portugueses, em geral, e através da PetroGal e da Galp, em particular, a nossa selecção não pode dar mais do que as inconstâncias do costume. A verdade é que os jogadores da selecção não se podiam estar mais a lixar para se ganham ou não. Importam-se com o que ganham, sim, mas duvido que se importem com o facto de ganharem, ou não. Se chegarem praticamente ao fim e perderem (coisa que espero que não aconteça - eu nem sequer espero que cheguem ao fim), garanto-vos, caríssimos amigos, que não veremos nenhuma equipa do Mundial de 66, com o Eusébio à cabeça, chorando, desolado, cara da desilusão nacional de uma selecção que não se esperava que sequer chegasse tão longe. Desta selecção, espera-se tudo, mas de uma forma doentia, que faz com que se esqueça tudo, desde que haja felicidade e camaradagem e alguns apalpões no rabo ocasionais, alguns beijos na boca entre homens geralmente heterossexuais, e coisas agradáveis deste género. É como se nada mais importasse. Claro que é positivo que haja diversão, que haja alegria, mas não é nada positivo que isso nos faça esquecer o resto. E, ainda por cima quando, no fim de tudo, não teremos, quase o posso garantir, nenhum "sonho na mão". Simplesmente voltarão para casa, tendo chegado aos oitavos ou aos quartos-de-final, no máximo, e o povo português só então reconhecerá que, afinal de contas, a nossa selecção nacional, apesar de alguma euforia cega, é meramente mediana, longe do bom ou do excepcional, que se pede a esse tipo de equipa. E o que é que isto tem de mal? E porque é que sou tão rígido com a euforia em torno da selecção nacional de futebol? Por uma razão que me parece simples: porque há literalmente muitas coisas geniais no nosso país, coisas pelas quais somos reconhecidos como excepcionais, além-fronteiras, e a essas coisas ninguém dá valor. Refiro-me, particularmente, à Arte e à Literatura, áreas nas quais somos brilhantes, geniais, e sempre o fomos desde que praticamente somos Portugal, essa bela nação (cf. Alemanha e Rússia). Até nisto se vê que o futebol, em geral, desperta certo tipo de sentimentos mais epidérmicos, logo, aparentemente mais sentidos, se bem que apenas superficiais. Recordo a morte do Féher, em campo, em directo, e do choque dos portugueses, por ser uma figura do futebol, mesmo que até nem jogasse nada de especial, sim, está certo, merece-nos respeito, merece-nos saudade e comoção, mas isso também nos merecem Álvaro Cunhal, Sophia de Melo Breyner, Eugénio de Andrade, só para referir alguns dos que infelizmente morreram no passado recente e tiveram meras honras de óbito nas revistas de actualidades, um cantinho num telejornal ou outro, e, felizmente, uma reportagem que apenas quatro ou cinco pessoas terão visto na 2:, o único canal que vale a pena ter sintonizado, apesar de tudo, nas televisões nacionais. Sejamos sinceros: somos o país do Bocage, do Garrett, do Cesário, do Antero, do Almada, do Sá Carneiro, do Santa-Rita, somos o Portugal do Castelo Branco e do Aquilino Ribeiro e do Torga e da Sophia e da Agustina, o país do Eugénio de Andrade e do Saramago e do Lobo Antunes, do Camões e do Pessoa. Mas isso não interessa, enquanto houver Mourinhos e Cristianos Ronaldos e Figos e Petits e Simões e Maniches e Meiras e Ricardos a marcar penalties para euforia geral do meu povinho, fazendo rezas cegas em frente à televisão, com os dedinhos adiposos sujos de gordura de sardinha.
Quando Portugal perder e voltar, talvez fosse bom parar e pensar um bocado nas coisas. E dar valor àquilo em que somos francamente bons. Nem que sejam os jogos paralímpicos. Ao menos os nossos deficientes são os melhores do mundo.