quinta-feira, junho 29, 2006

ipsis verbis

"Eu quero é que os portugueses se fodam."

João César Monteiro, um "pateta" que fazia cinema. Bom cinema.

Neste momento, e depois de tão acesa discussão no meu post anterior, apetece-me muito citar César Monteiro.

terça-feira, junho 20, 2006

O orgulho nacional, as bandeirinhas à janela, energia positiva, caramba!!!

Digo-o, atento a quantas vozes e quanta gente me cairá em cima, mas digo-o consciente de estar a falar uma coisa que para mim é verdade: a nossa selecção nacional de futebol de onze é, no máximo dos máximos, média/boa. Não está ao nível das melhores do mundo. Sim, com sorte, a bola é redonda, e tal, como um jovem iraniano disse, na televisão, alegando a hipótese que havia de eles próprios (Irão) vencerem a competição, poderíamos ganhar o campeonato do mundo, a decorrer neste momento, e até não sei quando, na Alemanha, essa grande nação. E quando digo "grande nação" não sei se estou a ser irónico ou não. Entendam como quiserem. Todo o meu bom Portugal, afundado na crise económico-social em que se instalou, na confusão da aplicação de Bolonha às universidades, na revolta do encerramento da Opel da Azambuja e consequente partida da manufacura do Combo para a Rússia, essa grande nação (cf. supra), no sentimento de tristeza e revolta pela perda das maçãs e pêras de Alcobaça, derivado do facto de ter caído granizo, da tristeza e revolta pela perda das uvas de mais de dois mil produtores vitivinícolas da região do Douro, derivado do facto de ter caído granizo, revoltado ainda com o processo interminável da Casa Pia de Lisboa e da pedofilia em geral, os assassinatos da Joana e da Vanessa, a violência nas escolas, o reforçar das facções cada vez mais emergentes e mais factuais da extrema-direita nacionalista, a subida de preços em praticamente tudo, as maternidades a fechar e os utentes (mais as utentes) a terem que ser transportados para maternidades bastante longe da sua área de residência, entre tantas coisas que entretanto sucedem por esse país fora, está, contudo, feliz e radiante, de carinha laroca pintada de verde e vermelho, tantas vezes com a discreta mas presente pequena faixa amarela atravessando o rosto a meio, precisamente cobrindo testa, cana do nariz e queixo, umas vezes mais direitinha do que outras. As meninas lá se juntaram no Estádio Nacional, com a Floribella e mais uma série de famosas recentemente brotando do chão da fama, e, em conjunto, formaram a "mais bonita bandeira do mundo". Tinham gabardines vermelhas e verdes, meu deus! Pareciam o capuchinho vermelho, mas numa parafernália de cores (parece que havia também o pormenor da esfera armilar e do escudo, portanto, teria que haver, no mínimo, vermelho, verde, amarelo, azul e branco). Alguém reparou no ar de enfado das mulheres fotografadas de perto? A bandeira mais linda do mundo é uma bandeira horrível, com uma péssima conjugação de cores, demasiado popular e populista para o gosto geral. Tirando, lá está, daqueles que crêem ser esta a bandeira mais bonita do mundo, pelo menos quando composta por mulheres, as quais, vá lá, se bem que nem todas bonitas, pelo menos grande parte delas escapava, para a maior parte dos homens portugueses. Isto, ainda assim, por mais ridículo que seja, é praticamente irrelevante. Prova apenas que somos óptimos a fazer coisas absurdas para termos uma entrada no livro dos recordes do Guiness, ao lado do homem que dá mais peidos por minuto, ou da donzela que tem mais pêlo no corpo.
Os portugueses acreditam mais que tudo nesta selecção. Que nem sequer é aquilo a que os entendidos chamam de "geração de ouro", ou coisa que o valha. A nossa selecção não irá longe neste mundial. É uma selecção inconstante e inconsistente demais, embora tenhamos o Cristiano Ronaldo e consequente delírio de jovenzinhas que não entendem nada de futebol ou de desporto em geral, mas simplesmente apreciam o peitoril demasiadas vezes visível desse garanhão madeirense, que felizmente conseguiu fugir da pérola do Atlântico e da provável prostituição masculina que, na qualidade de rapazola com poucas condições financeiras, que era, teria que suportar. Quem diz o peitoril, diz as pernaças ou até os belos glúteos, se bem que estes últimos, felizmente, não são tão visíveis como o tórax e a pernoca. A nossa selecção nem sequer é falada na imprensa estrangeira, pelo menos não tanto como a nossa imprensa nacional quer fazer parecer. E independentemente das rap'zadas da Galp, em que uma série de nomes conhecidos (ou nem tanto) dessa maravilha (isto, sim, era muitoirónico) que é o hip-hop nacional gritam que querem mais, sempre mais, muito mais, tudo isto sempre com luvinhas cor-de-laranja nas mãos, provavelmente com palavras de apoio dirigidas à selecção pelos hip-hoppers em questão, pelos portugueses, em geral, e através da PetroGal e da Galp, em particular, a nossa selecção não pode dar mais do que as inconstâncias do costume. A verdade é que os jogadores da selecção não se podiam estar mais a lixar para se ganham ou não. Importam-se com o que ganham, sim, mas duvido que se importem com o facto de ganharem, ou não. Se chegarem praticamente ao fim e perderem (coisa que espero que não aconteça - eu nem sequer espero que cheguem ao fim), garanto-vos, caríssimos amigos, que não veremos nenhuma equipa do Mundial de 66, com o Eusébio à cabeça, chorando, desolado, cara da desilusão nacional de uma selecção que não se esperava que sequer chegasse tão longe. Desta selecção, espera-se tudo, mas de uma forma doentia, que faz com que se esqueça tudo, desde que haja felicidade e camaradagem e alguns apalpões no rabo ocasionais, alguns beijos na boca entre homens geralmente heterossexuais, e coisas agradáveis deste género. É como se nada mais importasse. Claro que é positivo que haja diversão, que haja alegria, mas não é nada positivo que isso nos faça esquecer o resto. E, ainda por cima quando, no fim de tudo, não teremos, quase o posso garantir, nenhum "sonho na mão". Simplesmente voltarão para casa, tendo chegado aos oitavos ou aos quartos-de-final, no máximo, e o povo português só então reconhecerá que, afinal de contas, a nossa selecção nacional, apesar de alguma euforia cega, é meramente mediana, longe do bom ou do excepcional, que se pede a esse tipo de equipa. E o que é que isto tem de mal? E porque é que sou tão rígido com a euforia em torno da selecção nacional de futebol? Por uma razão que me parece simples: porque há literalmente muitas coisas geniais no nosso país, coisas pelas quais somos reconhecidos como excepcionais, além-fronteiras, e a essas coisas ninguém dá valor. Refiro-me, particularmente, à Arte e à Literatura, áreas nas quais somos brilhantes, geniais, e sempre o fomos desde que praticamente somos Portugal, essa bela nação (cf. Alemanha e Rússia). Até nisto se vê que o futebol, em geral, desperta certo tipo de sentimentos mais epidérmicos, logo, aparentemente mais sentidos, se bem que apenas superficiais. Recordo a morte do Féher, em campo, em directo, e do choque dos portugueses, por ser uma figura do futebol, mesmo que até nem jogasse nada de especial, sim, está certo, merece-nos respeito, merece-nos saudade e comoção, mas isso também nos merecem Álvaro Cunhal, Sophia de Melo Breyner, Eugénio de Andrade, só para referir alguns dos que infelizmente morreram no passado recente e tiveram meras honras de óbito nas revistas de actualidades, um cantinho num telejornal ou outro, e, felizmente, uma reportagem que apenas quatro ou cinco pessoas terão visto na 2:, o único canal que vale a pena ter sintonizado, apesar de tudo, nas televisões nacionais. Sejamos sinceros: somos o país do Bocage, do Garrett, do Cesário, do Antero, do Almada, do Sá Carneiro, do Santa-Rita, somos o Portugal do Castelo Branco e do Aquilino Ribeiro e do Torga e da Sophia e da Agustina, o país do Eugénio de Andrade e do Saramago e do Lobo Antunes, do Camões e do Pessoa. Mas isso não interessa, enquanto houver Mourinhos e Cristianos Ronaldos e Figos e Petits e Simões e Maniches e Meiras e Ricardos a marcar penalties para euforia geral do meu povinho, fazendo rezas cegas em frente à televisão, com os dedinhos adiposos sujos de gordura de sardinha.

Quando Portugal perder e voltar, talvez fosse bom parar e pensar um bocado nas coisas. E dar valor àquilo em que somos francamente bons. Nem que sejam os jogos paralímpicos. Ao menos os nossos deficientes são os melhores do mundo.

quarta-feira, junho 07, 2006

Mamã, aquele senhor espetou uma coisa colorida no Mumu!

A primeira palavra que queria incluir neste artigo é "aberração". Estava eu no meu caminho para Lisboa, para a Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa ("Omnis Civitas Contra se Divisa Non Stabit"), quando me deparei, perto do término da Calçada de Carriche e consequente início do Campo Grande (aquilo há-de ter outra designação, mas sejamos práticos, acho que toda a gente me entende), junto à zona do Paço do Lumiar, com uns vibrantes cartazes anunciando o regresso das Grandiosas Quintas à Praça de Touros do Campo Pequeno. Se não eram grandiosas, eram algo do género. Vi os cartazes. Vi os forcados. Vi os bandarilheiros. Vi os cavaleiros. Vi a faena e a festa brava. A festa rija. Vi a classificação de idades. Espectáculo para maiores de seis anos. Em numeral cardinal: 6.
Vá lá... miúdos de seis anos a ver aquele espectáculo aberrante de horas seguidas de homens a maltratar animais? Haverá assim tanta frustração sexual que se tenha que descarregar num animal mais viril que os homens, só para se sentirem superiores? Meus amigos, esses fatinhos justos na virilha e no rabo, com lantejoulas, pouco ou nada ajudam. Há jogos de computador bem menos violentos classificados como para maiores de 12, por amor de deus!
Quero dizer a essas pessoas, esses penteadinhos que organizam este tipo de "eventos" que estamos numa sociedade diferente daquilo que eles pensam. Sim, há, infelizmente, estrangeiros e turistas que vêm ver as touradas, sim, é verdade que, ocasionalmente, isso dá dinheiro, mas não creio que isso justifique o facto de realizarem espectáculos de tão baixo nível. Os senhores não têm nunca argumentos decentes para defender a sua causa.
Uns dizem que é tradição. Ora, se é tradição, tanto direito tinham os centro ou sul-americanos descendentes de nativos de fazer rituais em que matavam dezenas de jovens virgens em alto de pirâmides, atirando-os de seguida para dentro de fossos profundos, para que o sol continuasse a brilhar todos os dias. Se os romanos actuais quisessem tanto reavivar a tradição, apenas em prol disso mesmo, teríamos talvez Tibério renascido e novos coliseus montados em diversas partes, para que homens combatessem entre si até à morte ou satisfação da assistência. Felizmente, essas pessoas preferem manter a tradição no seu devido lugar: nos registos históricos, na passagem de testemunho oral e escrita, mais do que na perpetuação dos actos, realizando-os, físicos, concretos, reais, desenquadrados de uma forma "contemporânea" de pensar, de sentir e de agir. Ou de um mínimo bom-senso. Outros, ainda, dizem que os touros criados dentro daquelas raças típicas de tourada (os miura, particularmente) não têm mais utilidade do que essa. Permitam-me discordar. Os pequineses, cães criados pelos chineses num reinado de um imperador qualquer, também não tinham outra função que proteger os donos, num raio de acção reduzido (geralmente estavam escondidos nas mangas), de pessoas com más intenções, saltando e mordendo-as. Hoje, são uma raça generalizada que, embora ocasionalmente agressiva para com desconhecidos mal intencionados, são cães afáveis e de trato fácil. Acredito que os touros pertencentes a raças e linhagens exclusivamente dedicadas à tourada, até aos dias de hoje, se não forem educados a tratar mal os humanos e a considerá-los uma ameaça desde o dia em que nascem, até ao dia em que, invariavelmente, morrem na arena, poderão ser touros normais, que vivem vidas normais, num campo ou num estábulo, pastando e vivendo como qualquer bovino. Perdão - os touros portugueses não morrem na arena. Morrem nos bastidores, em condições higiéncias deploráveis, e a carne é depois vendida a distribuidores, para que o consumidor em geral a coma.
Temos tradições que, apesar de tudo, não magoam ninguém, não violam direitos dos animais ou das pessoas, embora, enfim, possam cometer graves ofensas visuais, estéticas, ou até sonoras (cf. ranchos folclóricos e algum fado cantado em tabernas depois de demasiados tintos, panachés ou ginjas, em geral), que não há mal nenhum em continuar a realizar. Mas, touradas, meus amigos? E abertas ao público a partir dos seis anos? Ver montes de homens francamente em superioridade frente a um animal sozinho? E não me venham com histórias de que aquele "toiro" mataria sem remorso todos os homens na arena, e que é a "inteligência" do homem contra o "poder" e a "força bruta" do "toiro"... é cobarde, é muito cobarde fazerem isso a um animal que está em visível e franca inferioridade. E aparecem em programas de televisão, com os vossos cabelos e os vossos fatinhos de tweed e as vossas camisas da Victor Emanuel e os vossos sapatinhos de ir ao figo da Giovanni Galli e os vossos bigodes, ora fartos, ora aparados em formas ridículas, e os vossos pins da bandeira monárquica na lapela, defendendo que amam e conhecem e respeitam mais os "toiros" do que os cidadãos que, no seu perfeito juízo, abominam e condenam a prática da "bonita festa de toiros". Criam-nos desde que nascem para odiar e temer as pessoas. Por amor de deus (ou Deus, maiusculado, como tantos desses senhores prefeririam, peço perdão), digam-me, a sério, que podem considerar isso amar e conhecer e respeitar os touros... educam-nos para ser uma coisa que não interessa mais a ninguém. Sim, estou consciente da vida que os touros levam em muitos matadouros. Sim, como carne, e de vaca também, e sei que um animal teve de morrer, para que eu possa comer a sua carne. Mas sei que esse animal não morreu num espectáculo deplorável de degradação humana, perante uma multidão que o vê ser chacinado, distraídos de tudo e vendo os bandarilheiros, airosos, cravando estacas coloridas no flanco dos animais indefesos - sim, indefesos, consta que inclusivamente lhes aparam os chifres, para que não colham mais seriamente algum toureiro desprevenido. Ainda por cima, com miúdos de seis anos a poderem assistir.
E isto é tradição.