sábado, julho 28, 2007

Foz do Arelho com amigas

Quem me conhece sabe obviamente que, morando nas Caldas da Raínha/Óbidos/enfim, sempre fui muito pouco apreciador da praia da Foz do Arelho, não sei sequer bem explicar porquê, é daqueles meus preconceitos meio infundados, que vou mantendo mais por teimosia do que por qualquer outra coisa. Não sei se por causa de não gostar da praia em si, se por não gostar do tipo de pessoas que a costuma frequentar, se pelas memórias meio distantes de colónias balneares muito mal passadas, se até pelos velhos piqueniques da turma de nono ano (no lado de lá, é certo, nos Belgas, mas, para mim, é tudo Foz), mas algo em mim repudia a Foz do Arelho, que não seja para um café tomado ao anoitecer, num dos bares da marginal, ou um copo, já à noite, no Trombone, único bar de jazz da zona. No entanto, e apesar de todas estas coisas, ontem lá me decidi a sair de casa e fazer qualquer coisa, para variar, não sei, e arrisquei ir mesmo à Foz, aproveitando uma fortuita boleia que me foi cedida pela minha querida irmã, uma vez que ia ter com amigas à dita praia. E lá seguimos, equipados com protector solar de factor 15, sandálias, fatos de banho, t-shirt, malas com livros e toalhões de praia, leitores de mp3 e toda uma parafernália de adereços, no veículo automóvel do papá.
Há coisas que concluo: primeiro, que não tenho o à-vontade com as pessoas da idade da minha irmã, para manter uma conversa coerente com elas; segundo, que o irmão mais velho não é visto como uma companhia que se quer manter por perto, quando não tem sequer o já referido à-vontade com as amigas; terceiro, que o irmão mais velho está com um corpinho meio decadente, e enquanto não começar a fazer uma dieta rígida ou a ir a um ginásio, é vergonhoso ser-se vista com ele, quando tira a t-shirt; quarto, que é um alívio encontrar, numa toalha, isolada, uma amiga da turma de secundário, que nos aceita e nos acolhe, apesar da barriguinha já não ser a planície de outrora. Há muito senhor que se depila aparentemente numa rotina regular, nas toalhas em redor, de peito lisinho e trabalhado, deitados ao sol de fim de Julho, há famílias bonitas e funcionais, um casal e a filhinha, o indivíduo feminino, parte integrante do casal, a trocar sentidos mas discretos carinhos com o esposo (ou aparente esposo funcional e querido), acariciando-lhe o pescoço, há um cavalheiro todo ele muito vertical, à primeira vista incapaz de movimentos redondos, que lembra uma mistura entre o Mr. Burns, dos Simpsons, o Vítor Espadinha e o Mr. Bean, e que fica demasiado tempo a conversar, de gatas, com o rabiosque voltado, bastante empinado, para o lado onde eu estava deitado. Há um universo fascinante e há até uma jovem colega da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, da Universidade Nova de Lisboa, que me é aprazível visualmente, e que não creio ser desta zona, sendo que grande parte da minha tarde foi passada, intimamente, a indagar sobre a proveniência de tal excelsa criatura.
Fico feliz de ocasionalmente ainda ir encontrando pessoas que importam, que fazem falta na vida, pessoas que me sabem fazer sentir bem de ser como sou, que não me levam a dizer coisas que não me apetece, ou a ser momentaneamente coisas que não sou, e, com o tempo, me deixam até com a confiança requerida para tirar a t-shirt segura, com o nítido olhar reconfortante de "não estás tão mal assim, porra", sentimento que eu próprio reitero, olhando em volta e apercebendo-me de que, afinal, entre os meninos e senhores aprumados, delicados, trabalhados, depilados, há outros cavalheiros em igual ou pior estado de degradação que o meu próprio. Fico sobretudo feliz de poder passar uma tarde a falar de teatro e de literatura e a ler excertos d'A Casa dos Budas Ditosos (que, saiba-se, felizmente, de budista tem pouco ou nada), a falar-se do Nineteen Eighty Four, do Orwell, conversa que levaria inevitavelmente a que se falasse no Animal Farm/O Triunfo dos Porcos e, mais estranhamente, no 2001: A Space Odyssey, do Arthur C. Clarke e do Stanley Kubrick.
Mais tarde chegaria uma outra amiga, por quem já esperávamos, com quatro crianças, e acabámos por passar uma tarde divertida (vá-se lá saber porquê, os miúdos adoram-me, a mim, que sou das coisinhas mais irritantes e antipáticas que por aí andam), a falar de desgostos amorosos com alguma ligeireza, cada um pôde falar muito, com a certeza de ser ouvido, com interesse, por parte de quem quer fosse, e isso é daquelas coisas, numa vida, que se deviam sempre aprender a manter.
Foi um dia que trouxe, como todos, também lembranças menos boas, mas acabei por acompanhar a minha irmã numa viagem de autocarro, de volta às Caldas, a ouvir Gogol Bordello no mp3, enquanto atravessava a paisagem decrépita do interior, com um velho sentado ao lado, a exalar um cheiro a suor e a rebuçados Dr. Bayard, que estupidamente ficava bem com tudo aquilo, e tudo parecia certo e bem, e por dentro, apesar de todas as coisas, eu estava perto de estar muito feliz.

E, já agora, fiquem ao som da minha música de atravessar a província:



Gogol Bordello - Haltura
(para que se veja que não preciso de ir ao FMM de Sines, para descobrir bandas ucranianas que misturam punk com música cigana e tradicional)

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