sábado, julho 14, 2007

Noite no karaoke

Sentamo-nos ao balcão, não há lugar nas mesas, estão ocupadas por famílias que, pelo menos a mim, me parecem um bocadinho deslocadas, à uma da manhã no bar, rindo muito, ouvindo o casal que canta uma música do Tony Carreira. Pergunto-me se a mulher também está a cantar, só ouço a voz do homem, uma espécie de tenor mal trabalhado e com a voz já bem tocada de muito álcool. Alguém no grupo sentado ao balcão connosco faz um apontamento breve, mas sarcástico, acerca da barriga do senhor, e eu procuro entre os pescoços das pessoas em frente um espaço para ver se consigo vislumbrá-la. Consigo. O homem é de facto gordo. A voz, não sei, já daria para entender isso.
Chamam o Zé Pedro, para cantar uma música dos D'ZRT, a mais conhecida. O Zé Pedro deve ter quatro ou cinco anos e não tem voz que se ouça, conforme canta. A música dos D'ZRT passa, inteira, e, para mim, é apenas instrumental. Ainda bem, penso. Tinha passado bem, sequer, sem a música, de todo.
Um homem, cujo nome me escapa (estaria provavelmente a atentar na fauna juvenil que ali se encontrava ao meu redor), canta em seguida, empenhado e com alguma taxa de sucesso, a "Don't Let The Sun Go Down On Me", do Elton John e do George Michael. Não há grande aderência por parte das pessoas. Não há grande aderência da minha parte. Batem-se palmas no fim. Ouve-se uns "ele mereceu" vagos, ocasionais, entre aplausos.
Sobem ao palco improvisado (e, na verdade, ao mesmo nível do chão do resto do bar) dois miúdos, um com cerca de catorze anos, o outro (irmão?), aparentando ter cerca de oito, nove. Animados, mas muito fora de tom, berram as letras da "Maria", dos Xutos e Pontapés. Viro-me para o balcão, a cabeça a latejar do barulho todo e dos risos de quem não tem qualquer tipo de coragem para substituir um, que seja, dos cantores.
Vejo demasiadas meninas que me olham mas penso "na verdade não me devem estar a ligar nenhuma." Algumas delas são interessantes, de um ponto de vista físico, entenda-se, quanto ao resto não me devo manifestar, seriam conjecturas. É verão e há decotes e seios mais ou menos roliços, mais ou menos bem feitos, há muito senhor de calções e de polo em tons róseos com o crocodilo típico da Lacoste sobre o peito esquerdo - direito do observador. Não garanto na verdade que assim seja - pode ser invertido. Para todos os efeitos, são polos de tons róseos e azul-bebé, da Lacoste. As meninas dos decotes acham mais piada a esses, do que a mim, preso num nicho social entre o emo e o freak e o raio-que-o-parta.
Bebendo o meu Famous Grouse novo (não há dinheiro para mais), penso se algumas dessas designações de tribos urbanas servem de facto para alguma coisa mais, que não seja o controlo mais ou menos velado das revistas pop de adolescentes e jovens sobre os mesmos. Hoje muitos desses adolescentes e jovens cresceram e já não são nem adolescentes nem jovens, mas continuam a acreditar piamente que estão dentro daquele estrato, que pertencem à grande família da tribo urbana a que "escolheram" pertencer. Nada disto importa, acabo o golo de whisky e volto-me para o palco de karaoke novamente.
Entretanto demasiadas miúdas de catorze e quinze anos já cantaram Mafalda Veiga e João Pedro Pais (dos quais gostam, a par de 50 Cent, Limp Bizkit, Korn e Chamillionaire), muito mal cantado, e, penso eu, ainda bem - que nada mais merecem a Mafaldinha e o Johnny-boy, que serem assassinados musicalmente, por (pseudo-)fãs irritantes. Continua a haver raparigas que me olham, só duas me interessam, na verdade, e talvez por isso me convenço que são as que me olham mais, se bem que uma esteja acompanhada por um tipo qualquer. Penso: "deixa-te de coisas... tu, para elas, és uma camisa vermelha e branca, de flanela, de mangas arregaçadas, com uma sweat-shirt cinzenta por baixo, uma pulseira e umas calças castanhas de bombazina. Provavelmente um péssimo cabelo, barba e óculos." E é isso que me sinto. E sobretudo sinto que estou tão perto de andar ao engate em bares e isso assusta-me e por isso escondo tudo atrás de outro golo no Famous Grouse novo.

E entretanto penso: se eu subisse ao palco para cantar "Ma Meeshka Mow Skwoz", dos Mr Bungle, será que a tinham, na base de dados da "máquina de karaoke" (não sei o nome daquilo)? E, a terem, será que haveria letra a passar, para eu acompanhar? Gostava muito de experimentar.

1 comentário:

Anónimo disse...

devia ser possivel experimentares, mas não me parece que exista na base de dados... e, se calhar, também, deverias experimentar o engate de bar (sem sarcasmos, não te estou a dizer nada disto por mal). quem sabe... às vezes conhecem-se pessoas que valem a pena nas situações mais estranhas. beijo