quinta-feira, fevereiro 23, 2012

que-redo

tenho coisas para dizer. sempre. mas são sempre as mesmas e hoje nem sequer sei bem no que consistem. não me apetece escrever amálgamas, gostava de ter a coerência e a coordenação necessárias a e para escrever um texto mais ou menos académico. se se puder ser um demiurgo a organizar o caos aparente e, até prova em contrário, fáctico, factual, verídico destas ideias, e extrair delas um miolo central, um centro de ordenação e sentido, que se seja, que se consiga, que se proceda a essa tarefa hercúlea. deixo isso para os filólogos a sério, para os pensadores, para os teóricos. a minha preocupação é só a de escrever, com mais ou menos teoria a substanciar isso, mas escrever. procurar o deleite oferecido e a oferecer a quem lê. não me interessa a economia, mesmo que me bata à porta, nem me interessa ler os poemas tão impregnados do sabor a velho dos meus pares que se afirmam poetas e escritores. cada vez mais concluo que não preciso de ler muito, para escrever. que fui perdendo capacidades e liberdades, quando me comecei a auto-espartilhar com as teorias, com as comparações... era mais feliz quando lia um poema de Eugénio de Andrade e sentia "isto não é mau, mas também não é nada de especial, nota-se aqui esforço em demasia". hoje tenho de ler Eugénio de Andrade e obrigar-me a pensar "este homem foi considerado um bom poeta. tem a sua qualidade, embora esteticamente não fale à minha sensibilidade".
passei demasiado tempo com livros do Gogol na mala. do Dostoiévski. e tentei, juro, por certo que juro que tentei gostar. são clássicos. são fundamentos, nomes basilares e eu estou num curso, para o bem e para o mal, de filologia. tenho de conhecer os clássicos. saber da redenção do Crime e Castigo. tenho de preferir A Metamorfose, de Kafka, a'O Processo, do mesmo autor, porque a temática d'A Metamorfose é "isto" e "aquilo". tenho de interiorizar e obter a certeza irrefutável de que Guerra e Paz, de Tolstoi, é o "melhor romance de sempre". e tentei. tentei pôr para trás das costas os factos inegáveis de que nenhuma dessas obras me falou à alma. convenci-me de que "o problema é meu, que sou burro e lento de compreensão". mas agora deixei-me disso. quero concentrar-me no que importa. comprar e ler mais livros do Bukowski, que sabe realmente falar a minha língua, dentro de tudo aquilo que não me é, mas acaba por conseguir ser. ler mais Pynchon. mais Burroughs. sair deste pensamentozinho intelectual europeu que me rodeia, num apanágio de bichonas-nem-sequer-gay de perna cruzada na esplanada do CCB, tão sempre e só cada vez mais anti-americano, e ostentar o Love is a Dog from Hell, nas tascas, nos cafés de esquina, ler sem pejo e sem medo de ser criticado na minha repetição de "andas sempre com isso atrás?" o The Crying of Lot 49 e o Naked Lunch. não me importar muito se o cummings é considerado "menor", quando mete o mofo dos nossos poetas contemporâneos, todos a imitar o Ruy Belo e o Eugénio de Andrade e a Sophia de Mello Breyner Andresen a um cantinho, resumidos à sua insignificância de projectos imitacionais que sabem a coisa velha na boca.
é isto que vai ficar. tem de ser isto que vai ficar. a marginalidade do que se faz nos blogs, que já quase tão poucos lêem, sequer, a poesia "de garagem", dos sem dinheiro, dos que não podem voltar para casa porque não têm massa nem atum nem ovos para comer. dos que continuem a escrever só porque sim, sempre a repetir paixões platónicas de uma infantilidade prolongada, que não se ralam com o que disse o Adorno (ou fingem que não se ralam), sempre a dizer "bichos" "insectos" "decadência" "comboios" "frutos" "colo". é essa repetição que fica. não são os senhores que falam de palimpsestos e de sinédoques e que procuram uma palavra durante seis meses, com que completar os seus poemazinhos medíocres.

com toda a falta de humildade que me é possível, sou eu quem vai ficar. sou eu quem vale a pena ler. no meio da minha desorganização mental cada dia mais frequente, mais insistente, sou eu quem vale mais do que os vestígios miméticos de Mários Cesariny, de Ruys Belo, de Al Bertos, de Eugénios de Andrade, de Herbertos Helder que por aí proliferam.

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