segunda-feira, fevereiro 27, 2012

do pânque róque (infeliz alusão ao "movimento" FlorCaveira)

fala-se por aí da Crise. e, até ver, a crise existe. uns previram-na, outros, não. mas é uma crise. não só económica. é uma crise de humanidade, sobretudo. é uma crise, passe o lugar comum, de valores. atente-se: não quero fazer deste texto um texto "moralista" e com vertente de conselho e admoestação. há uma crise de valores, ponto final. a acrescentar a todas as outras. a uma económica, sim, talvez.
a juntar a isto, não há uma única intervenção, relativa a isso, no mundo "das artes". corrijo: no meio literário vão-se fazendo coisas. mesmo que  não pareça, vão-se fazendo coisas, não ficamos calados. falamos é baixo demais, não por culpa nossa, simplesmente porque toda a gente escreve mas ninguém lê. toda a gente publica, mas os livros não se vendem. são só vozes atrás de vozes, com os pulmões a dizerem coisas, fechados dentro dos livros, que ficam só a amontoar-se nas estantes das livrarias e, com o passar do tempo, em armazéns e caixotes. as pessoas "não têm tempo para ler". respeito isso. ou, melhor, não respeito isso, mas não há nada que possa fazer, para o alterar. portanto, não espero que essa mudança social venha da literatura.
no cinema, coisa para a qual ainda se vai tendo tempo e, quando não dinheiro, recorre-se à internet e obtém-se à borla o/s filme/s que se pretende ver, o panorama é pior. os filmes norte-americanos são, de ano para ano, piores. sempre piores. explosões. mundos de fantasia e desenhos animados gerados a computador para miúdos e graúdos, todos a saber exactamente ao mesmo. perseguições de veículos armados-ou-não. balas. robots. animais baseados em mitologia. adaptações ainda piores de livros já de si maus. mas, pronto. há o cinema europeu. há "sempre o cinema europeu". intelectual e "poético", a "fazer pensar" (sempre esta porra deste argumento, "o cinema tem de fazer pensar", "gosto de um filme que faça pensar"), mas, fora esse exercício estético - por demasiadas vezes cansativo ao mesmo nível que é estético e "poético" e "faz pensar" - em nada melhores que os blockbusters repetidos e repetitivos dos Estados Unidos. só a suposta "representatividade do real", mas sem nada de realmente real, pelo menos no que à minha vida, em concreto, diz respeito.
resta-nos, pois, a música. música toda a gente ouve. e é este o maior problema. a música podia ser (arrisco-me a dizer que deveria ser) a voz necessária. mas a música já não é nada. são uns meninos e meninas vestidos com riscas horizontais (brancas e vermelhas, brancas e pretas, brancas e lilás), óculos de massa e ténis All-Star no fim de umas calças que, de tão justas, provocarão decerto impotência aos elementos masculinos, que escrevem umas coisitas animadas que soam todas ao mesmo, mas que se colocam sob o rótulo de "indie-qualquer-coisa". e estas musiquinhas são tão vazias, tão cheias de nada, só uma "distracção" da vida. uma forma de caminhar na rua a sentir-se que se tem um certo estilo. que se conhece coisas que mais ninguém conhece. só porque sim. porque convém individualizarmos, em vez de consciencializarmos e tornarmos uma coisa num projecto de todos.
às vezes falo do punk a pessoas e dizem-me que o punk está morto. usam-se t-shirts dos Ramones e, acima de tudo, dos Sex Pistols, mas só porque fica bem. conhecem-se umas faixas de uns e de outros. e diz-se que o punk está morto. que já não se faz punk. houve o "post-punk" e isso ditou o fim, o apocalipse do que era o punk. mas o punk está vivo e, arrisco-me a dizê-lo, caíndo nesta expressão sobejamente usada, nunca esteve tão vivo e a precisar tanto de ser ouvido e transmitido. porque, sim, apela à auto-marginalização, sim, são uns tipos com guitarras e a cantar mal umas musiquitas curtas com um, dois minutos, no máximo, mas ao menos há ali revolta. há ali qualquer coisa, mesmo que a letra consista em pouco mais que "Hey, little girl, I wanna be your boyfriend". há ali qualquer coisa que diz "isto está mal e nós propomos uma outra coisa, sem saber ao certo qual a solução, mas, por favor, ao menos tentemos qualquer coisa, qualquer, que seja".
ouçamos punk. já que não queremos comprar livros e os filmes são cada vez piores, ouçamos punk. todo o dia. até percebermos mais ou menos o que fazer com isto, que nos deram para as mãos, e não tem utilidade nenhuma. acabemos de vez com as musiquinhas "indie-folk" e "indietronica" e "indie rock" e "indie merda" que se têm estado a fazer, vazias de tudo, menos de uma produção plástica e de plástico, para que uns senhores ganhem dinheiro à conta disso. ouçamos punk e seus derivados. ouçamos, pelo menos, uma coisa "não-punk-que-conserve-o-espírito-do-punk".

punk is dead. long live punk rock.

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