quarta-feira, abril 16, 2008

O Acordo Ortográfico (e o meu desacordo)

Tem-se falado muito disso e eu próprio queria deixar a minha opinião sobre o assunto. Não vou, contudo, apresentar argumentos científicos, políticos, sociais - ou pelo menos não os abordarei como tal. Antes de mais, para que se saiba: sou contra o acordo. Muito contra, mesmo. É óbvio que, se apresentasse exemplos das palavras que serão evoluídas no acordo e nas quais as consoantes mudas têm o propósito de abrir as vogais que as precedem, ou tornar tónicas as sílabas em que se encontram, os defensores do acordo apresentariam de imediato bastantes exemplos de fugas à regra, que me deixariam supostamente desmoralizado e arrependido de ter sequer mencionado isso - ainda que todas as línguas possuam regras e excepções, mas parece-se que, sob a égide de se criar um Português verdadeiramente novo, moderno, global, evoluído e internacional, quaisquer regras que existam, se aparentemente obsoletas, têm necessariamente de ser extintas.
Falou-se muito do Inglês, como língua universal, e do suposto acordo que tornou o Inglês uma língua sem variações e sem excepções. Isto não é verdade. Os Bretões e alguns falantes de Inglês da Commonwealth têm pequenas variações das quais não se abriu mão; note-se, a título de exemplo, as palavras colour (EN GB)/color (EN US), centre (EN GB)/center (EN US). Defende-se que, para criar uma Língua Portuguesa universal, é necessário torná-la alegadamente mais representativa da oralidade (como se a ortografia fosse uma transcrição fonética absoluta - lamento desapontá-los, mas nunca foi, não é, e nem com este acordo passará a ser), logo, se as consoantes mudas lá estão e não se lêem, não fazem sentido, devendo-se, pois, eliminá-las. Facilitar a representatividade ortográfica do que se fala. Isto aconteceu no Inglês? Não. Um f, também em Inglês, vale o mesmo que um ph. Uma palavra começada por sc poderia começar da mesma forma por c ou s. O Inglês, decididamente, meus caros senhores preconizadores e defensores do acordo, não serve para ser usado como carro de batalha na vossa demanda económica e política.
Chamar-me-ão retrógrado, os defensores do acordo, nacionalista, indivíduo com manias coloniais e de superioridade em relação ao Brasil, mas prezo muito a minha identidade linguística portuguesa - portuguesa de Portugal - e não me sinto bem com essas eliminações de letras que, no meu entendimento, parco, ou não, faz realmente sentido que lá estejam. Seja de um ponto de vista sintáctico, etimológico ou meramente ortográfico. Sei que o último acordo ortográfico efectuado também gerou controvérsia e no entanto aqui estamos, todos sobreviventes ao mesmo, e é óbvio que também se sobreviverá a este, e os nossos descendentes provavelmente até acharão ridículo que os seus antepassados se tivessem batido por isto. Mas é que isso não me interessa (estou desde já consciente que um argumento tão egoísta, pessoal e desinteressado no suposto futuro das gerações vindouras vai suscitar ironiazinhas e sarcasmos nas cabeças dos cavalheiros pró-acordo - e não só, nos anti-mim também). A evolução linguística é uma coisa que acontece, mas que não se deve forçar. O Português do Brasil (PT BR) é uma língua muito mais aberta à mudança, do que o nosso (PT PT), e por isso teve uma evolução ortográfica, sintáctica, semântica, lexical e tantas mais, muito diferente da nossa - diferente, nem superior, nem inferior. E é esta diferença, esta variedade que defendo dever ser respeitada. É óbvio que, no último acordo, alguém escolheu fazer essas alterações sem consulta ao falante comum, mas foi numa altura em que a taxa de alfabetização era menor, logo, o falante comum também se queixava menos, sendo que não tinha consciência linguístico-ortográfica, ou pelo menos uma noção da semiologia da ortografia - os alfabetizados, particularmente os que viviam da escrita, esses, queixaram-se, e muito.
Há uma questão, que já referi, e que parece estar na linha da frente dos defensores do acordo, essa coisa vaga da representação ortográfica da fonética. Quanto a isso, estamos a criar regras, ou a destituir a ortografia de qualquer tipo de regras? Dizia um admirável senhor, no (abominável) Prós e Contras deste dia 14, com jocoso sarcasmo, que as consoantes só se eliminam onde, de facto, não se dizem, provocando as pessoas que eram contra o acordo com questões/respostas do género "Diz o c, em facto? Então, escreva-o. Diz o p, em baptismo? Não o escreva, é simples." Muito bem. E isto é suposto vir facilitar a aprendizagem e assimilação fonético-ortográfica dos alfabetizandos. Isto só lhes dá uma margem de manobra tal, que qualquer coisa pode passar a ser correcta. E as variações regionais? Abrem excepções, também? Nas regiões em que as palavras acabadas geralmente em r são oralmente seguidas de um som "e" ou "i", poderão passar a escrever, a título de exemplo, "senhore", ou "senhori"? É que isso é que é representar concretamente a oralidade.
Talvez eu não queira mesmo ceder a isto por haver, ainda que infimamente, qualquer coisa, em mim, que não tem grande amabilidade para com o PT BR. Todas as pessoas que me conhecem sabem que nutro um ódio de estimação, irracional, de resto, como bom ódio de estimação, que é, para com o Brasil, mas a questão aqui nem é essa. Não me assusta a ideia de me submeter ao país que tem mais falantes do Português, no mundo. Cresci a ler bandas-desenhadas em PT BR e sobrevivi a isso. Nunca tive dúvidas em perceber que ótimo e óptimo são a mesma palavra. E não percebo porque é que, já que a grande questão de tudo isto é económica e política, e não linguístico-social, e as editoras/livrarias brasileiras querem entrar em competição noutros mercados fora do brasileiro, não entram logo nesses mercados. Entrem. Sem acordos. Os portugueses iriam perceber à mesma o português evoluído e aberto e moderno que vocês têm.
Já agora, em jeito de provocação, dizia uma mulher, brasileira, no Prós e Contras, que não eram só os portugueses que iam abdicar de algumas coisas, eles, brasileiros, também teriam que o fazer. Ah, sim? Portanto, em nome da pseudo-representatividade máxima da fonética, em termos dos signos, alguém vai obrigar os brasileiros a escrever "cidadji" em vez de cidade, "gostxi" em vez de goste, "tau" em vez de tal e "campãia" em vez de campanha? Não me parece...

5 comentários:

de.puta.madre disse...

O problema é que o Brasil e a sua Sociedade Civil ( foi espelhado por todos os trajeitos dos rostos dos Srs/as nos P& Contras) considera Portugal como se fossemos CRIANÇAS DE RUA! POBRES E INDEFESOS!!
Eles sem dúvida é que para a Comunidade Internacional não passariam mais de uns Colombianos ou Uns Hugos Chaves se não fosse a sua Ligação a PORTUGAL! Isso eles sabem-no BEM! Não lhes convem é admitir enquando não lhes demonstrarmos BEM CLARO QUAL É DEFCTO O SEU DEVIDO LUGAR! E Isto deveria começar AGORA pela LÍNGUA!
Já agora o que eles querem é da exacta dimensão da solicitação de um Autocne de São MIGUEL O PORTUGUES DE PORTUGAL CONTINENTAL aproximar-se graficamente da sua Fonética de são MIGUEL! Há os Brasileiros são muitos! Pois é! Mas não foi por isso que a Suécia ou a Noruega mandaram as suas Polícias Matar criancinhas para a rua, depois daquele episódio de triste memória cuja sociedade civil Brasileira ( Inclusive a mais informada) acompanhou em apluso e em encolher de Ombros!
É pena termos editores em PORTUGAL que se desleixem e permitam a publicação de uma quantidade impensável de gentalha mediocre ( Escritores e pseudo-poetas) que estão a desempenhar o belo papel de CANGALHEIROS da língua Portuguesa. Por aí se pode ver bem o nível das criaturas! UM BOICOTE À FEIRA DO LIVRO DE LISBOA SERIA UMA EXCELENTE FORMA DE OS COLOCAR NO SÍTIO CERTO.
Vale!

groze disse...

Por exemplo, no Portugal pós-acordo, de.puta.madre seria do Oeste, já que a utilização excessiva de maiúsculas é indicativa de que se fala a berrar. E isso representa extremamente bem a oralidade do Oeste português.

Agora a sério, agradeço, desde já o comentário (é sempre bom recebermos comentários), embora não me identifique de modo particular com o modo como é apresentado. Eu não queria fazer disto um braço-de-ferro "Portugal vs. Brasil", não é essa a minha intenção. Não podemos, ainda, comparar o Brasil e os brasileiros a autóctones insulares dos nossos arquipélagos porque, embora existam diferenças fonéticas e de expressão oral, o que se trata aqui é de uma alteração ortográfica, que me parece ser uma coisa que algumas pessoas ainda não entenderam. Não vamos passar a falar como os brasileiros, "apenas" a escrever algumas palavras e adquirir construções frásicas.

Eu não sou a favor do acordo mas também não sou a favor dos ataques desenfreados ao Brasil, a propósito desse mesmo acordo. E nutro, no entanto, um... não-amor... por esse país.

Anónimo disse...

A Língua portuguesa está a passar por um período de implantação, quer nos países Africanos de Língua Portuguesa, quer em Timor Leste. Na Guiné-Bissau esteve até para ser adoptado o Francês como língua oficial e em Timor-Leste o Inglês. Daí será fácil concluir que a língua portuguesa nas nossas ex-colónias não ficou muito bem cimentada. Esses países já não são colónias portuguesas, são livres e tanto poderão seguir o português falado em Portugal, por 10 milhões de habitantes, como o português falado no Brasil, por 220 milhões.

A teoria de Darwin é mesmo verdadeira e Portugal, se teimar em não se aproximar da versão de português do Brasil sujeita-se a ficar só e, mesmo assim, não vai conseguir manter a pureza da língua porque ela evolui todos os dias, independentemente da questão que agora se nos põe: todos os dias há termos que caem em desuso e outros novos que são adoptados pela nossa língua, em especial termos ingleses que são adoptados sem quaisquer modificações.

Se não houver aproximações sucessivas ambas as versões do português continuarão a divergir e daqui a algumas gerações serão línguas completamente distintas. Será então a altura de Portugal confirmar que saiu a perder porque ficou agarrado a um tabu que não conseguiu ultrapassar.

O Brasil tem um impacto muito maior no mundo do que Portugal, dada a sua dimensão, população e poderio económico que em breve irá ter. O nosso português tem hoje algum peso muito em função dos novos países africanos (PALOPs) e de Timor Leste, mas ninguém garante que esses países não venham um dia a aproximar o seu português da versão brasileira e há até já alguns sinais nesse sentido. Não poderemos esquecer-nos de que são países independentes e poderão decidir como muito bem entenderem.

Se Portugal permanecer imutável um dia poderá ficar só: a língua portuguesa de Portugal será então considerada uma respeitável língua antiga (o Grego é ainda mais), da qual derivou uma outra falada e escrita por centenas de milhões de habitantes neste planeta. O nosso orgulho ficar-se-á por aí e pronto!

Ambas as versões de português têm uma raiz comum e divergem há apenas cerca de 250 anos. Outros tantos anos a divergir e já não nos entenderemos, terá então que ser considerada uma outra língua.

O acordo ortográfico é uma decisão apenas política que os técnicos terão depois que aceitar e seguir. Será uma pena rejeitarmos agora o acordo que o Brasil está disposto a aceitar.

Zé da Burra o Alentejano

de.puta.madre disse...

É acho que vou mesmo aceder à bitola ética brasileira e no meu Oeste vou confundir despenteados com veados! O stado Brasileiro tb confumde Criança de Rua com coelho ... é muito groze ...

aquelabruxa disse...

eu, sinceramente, estou-me lixando para os brasileiros (lol). não é que não goste deles, é que eles estão tão longe que não me identifico. eles têm os problemas deles, nós temos os nossos. se der para conciliar as coisas, quanto melhor, mas eu sou a favor do acordo porque gosto das mudanças em relação ao português de portugal. claro que a minha primeira reacção, já há muito tempo, quando vi palavras como "ação" foi: que horror! fica tão feio! - mas isso é devido ao hábito. quando vi "pharmácia" também achei o mesmo.
também não acho que o inglês seja termo de comparação, o inglês é uma língua, o português outra, eles fazem o que acham bem para a língua deles, e nós idem.
o português será sempre diferente entre portugal e o brasil (e o resto do mundo), com acordos ou sem acordos, assim como é diferente do norte para o sul de cada país na expressão oral, e caramba, estamos a falar de continentes diferentes! claro que nunca será tudo igual.
claro, querido groze, que linguisticamente as consoantes mudas têm uma história e um propósito, mas por vezes temos de fazer opções, nada é perfeito. por exemplo: se continuássemos a escrever "boom" em vez de "bom"? a utilização das duas vogais seguramente tinha razão de ser, razão essa que agora faz parte da história da língua portuguesa, mas eu acho que para todos os efeitos é melhor escrever "bom". (exemplo meio parvinho).
em relação aos diferentes sotaques entre norte e sul e sobre as pessoas escreverem como dizem, querido groze, também estás a exagerar, não estás, ou a ser sarcástico ou algo assim? nós (lisboetas, que eu nem sei que tipo de sotaque tu tens), falamos mal! aliás, ninguém em portugal pronuncia bem, por exemplo, a palavra "igreja"(acho). em lisboa diz-se "igreija", no sul "igrêja", no norte nem sei, mas a pronunciação certa não seria "igréja" (escrito assim para que se perceba onde quero chegar)?
e em lisboa também dizemos "comere", "dormire", etc...
eu gosto da minha língua, vou falá-la e escrevê-la como me apetecer, lol (nos meus livros, por exemplo, e até nas minhas traduções), e irrita-me que se usem tantos termos ingleses, quando se podem perfeitamente criar termos portugueses. aí já ninguém se queixa porquê? onde é que está o amor pelo português quando se escrevem tantas palavras inglesas em itálico porque ninguém é capaz de criar uma nova palavra portuguesa? afinal estamos a falar português ou inglês? nisso gosto imenso dos brasileiros, e acho que demonstram muito mais apreço pela "sua" língua.
paz e amor e liberdade! lol