quinta-feira, dezembro 31, 2009

Syrinx, Ficção Pastoral (XVI)

Podes pegar em mim, pesar-me na balança
do sim e não, medir-me às polegadas a bondade;
ainda eu guardo o coração em sítio seco
e fresco, e longe de palavras.
E agrada-me estar só, na mais pequena cela
de uma prisão estéril entre os montes,
toda a noite a cantar contra a janela
donde se avistam outras grades iguais.
Podes até dizer (mas não as dizes)
as engraçadas frases em que voas
por distantes colinas, espantadas
de tão solene e nova madrugada;
e trazer-me água fresca, que me enrolo
em mim como um novelo e nem sequer
me movo quando o monstro inexplicável
com as suas garras rasga o meu lençol.


António Franco Alexandre, Quatro caprichos, Assírio & Alvim, Lisboa, 1999

1 comentário:

whyme disse...

Este senhor foi uma das agradáveis descobertas que fiz no ano passado :-)