Tantas Coisas
Há aqueles que chegam. Outros
caminham eternamente. A cada
um deu a Natureza o sopro
que lhe era necessário. Quantos
sabem, porém, o que é chegar?
E alguns recomeçam eternamente.
O que é a Natureza senão o
fervor e a maldição recebidos
com o sangue e o destino?
Tantas coisas se seguiam.
Nascia o sol e punha-se
sobre o mar no horizonte.
Os passos do peregrino
da vida soavam na calçada
- e quem os ouvia? Um
percurso, cada um de nós
caminha ao encontro da
revelação. Quantos não
atingem nunca a clareira
na floresta e se perdem nas
brumas húmidas que do lago
sobem até às árvores e as
envolvem? Obscurecem-se
ao longo dos anos os caminhos
abertos na confusão das plantas
rasteiras. E aquele que procura
um sol, o seu sol, fica à deriva
no nevoeiro. Nunca chegará,
ele. Mas o que é chegar? Quem
adivinha o remorso que atormenta
o espírito torturado do homem, quem
sabe explicar a natureza profunda
da alma humana? Vistos do exterior,
os nossos gestos perdem a intenção
que lhes demos. Julgam-nos e nada
sabem da obsessão e da mágoa que
dilaceram a carne. Sentimentos de
culpa. Mas o sentido oculto da
viagem é a posse de quem não
possui o próprio destino. Com
a nossa morte viaja connosco
para o rio negro do esquecimento.
Ficção enigmática. Calem-se os
ingénuos contadores de histórias.
João Camilo, in O Som Atinge o Cimo Das Montanhas, Entroncamento, OVNI, 2006
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2 comentários:
estive a ler o tempo todo a pensar que o poema era teu, só a última frase não me pareceu tua...
Sabes que a gente acaba por escrever um bocadinho como as pessoas que gosta de ler... e embora tenha conhecido João Camilo há relativamente pouco tempo, o estilo dele é muito parecido com o de outros escritores e poetas que admiro muito, nomeadamente com o estilo do Nuno Júdice.
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