segunda-feira, setembro 28, 2009

Ando um pouco acima do chão

Ando um pouco acima do chão
Nesse lugar onde costumam ser atingidos
Os pássaros
Um pouco acima dos pássaros
No lugar onde costumam inclinar-se
Para o voo

Tenho medo do peso morto
Porque é um ninho desfeito

Estou ligeiramente acima do que morre
Nessa encosta onde a palavra é como pão
Um pouco na palma da mão que divide
E não separo como o silêncio em meio do que escrevo

Ando ligeiro acima do que digo
E verto o sangue para dentro das palavras
Ando um pouco acima da transfusão do poema

Ando humildemente nos arredores do verbo
Passageiro num degrau invisível sobre a terra
Nesse lugar das árvores com fruto e das árvores
No meio de incêndios
Estou um pouco no interior do que arde
Apagando-me devagar e tendo sede
Porque ando acima da força a saciar quem vive
E esmago o coração para o que desce sobre mim

E bebe


Daniel Faria, in Poesia, Quasi, Vila Nova de Famalicão, 2003


(Porque a poesia é necessária, tão mais que a prosa, e porque há pessoas que passaram a vida toda a fazer sempre "só", e cito, poemas "preguiçosos", e ainda bem que assim o é, porque é na sua qualidade de poetas que valem tanto a pena. Estava com esta atravessada já há uns tempos, e só mesmo por uma questão de irritaçãozinha, sem realmente acreditar no que vou dizer a seguir: que se foda a prosa. Só mesmo pela comichão que espero provocar com esta afirmação.)

N.A.: Entenda-se, reitero, que não pretendo que se foda a prosa realmente. Muitos dos meus autores preferidos são prosadores e romancistas, como não poderia deixar de ser. Só queria deixar bem claro que a poesia não é, e é mau que assim se pense, uma parte "menor" da literatura, quando, dentro desta, é o que há de mais musical e de mais em contacto com o mais menos-físico de nós, o mais... humano. E fazem-me impressão as pessoas que dizem que gostam de ler e não gostam de poesia. Porque isso é inconcebível... "ah, eu gosto de ler, mas isso da poesia não consigo, não é cá comigo!" é uma coisa que tenho ouvido (não necessariamente ipsis verbis) demasiadas vezes, e acho que essas pessoas, na verdade, não gostam de ler... acho que devemos reconhecer que gostar de ler as indicações e contra-indicações de um medicamento não poderá ser considerado "gostar de ler", da mesma forma que gostar de ler prosa mas deixar de lado a poesia não é, integralmente, ter amor à literatura, e, consequentemente, gostar de ler. Porque a literatura é mesmo a melhor coisa do mundo. Toda ela, com drama e prosa - e poesia.

3 comentários:

aquelabruxa disse...

adoro poesia.

R.Joanna disse...

:O Não estás bem a ver o déjà vu. Ainda há dois dias me vieram com essa de que poesia, "epah poesia não, não consigo pegar num livro de poesia e lê-lo de uma ponta à outra". E eu: "Então mas não leste a Ilíada??" e a dita cuja: "Ah, pois, sim... Mas é que ela nem parece poesia, percebes?, é muito fluida..."

Ou seja, a poesia não é... Fluida? GRRRRRRR

Apoio incondicionalmente. Que se foda a prosa. "E eu cago-vos na tromba", como tão bem diz o nosso Vian.

Anónimo disse...

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