Ando um pouco acima do chão
Nesse lugar onde costumam ser atingidos
Os pássaros
Um pouco acima dos pássaros
No lugar onde costumam inclinar-se
Para o voo
Tenho medo do peso morto
Porque é um ninho desfeito
Estou ligeiramente acima do que morre
Nessa encosta onde a palavra é como pão
Um pouco na palma da mão que divide
E não separo como o silêncio em meio do que escrevo
Ando ligeiro acima do que digo
E verto o sangue para dentro das palavras
Ando um pouco acima da transfusão do poema
Ando humildemente nos arredores do verbo
Passageiro num degrau invisível sobre a terra
Nesse lugar das árvores com fruto e das árvores
No meio de incêndios
Estou um pouco no interior do que arde
Apagando-me devagar e tendo sede
Porque ando acima da força a saciar quem vive
E esmago o coração para o que desce sobre mim
E bebe
Daniel Faria, in Poesia, Quasi, Vila Nova de Famalicão, 2003
(Porque a poesia é necessária, tão mais que a prosa, e porque há pessoas que passaram a vida toda a fazer sempre "só", e cito, poemas "preguiçosos", e ainda bem que assim o é, porque é na sua qualidade de poetas que valem tanto a pena. Estava com esta atravessada já há uns tempos, e só mesmo por uma questão de irritaçãozinha, sem realmente acreditar no que vou dizer a seguir: que se foda a prosa. Só mesmo pela comichão que espero provocar com esta afirmação.)
N.A.: Entenda-se, reitero, que não pretendo que se foda a prosa realmente. Muitos dos meus autores preferidos são prosadores e romancistas, como não poderia deixar de ser. Só queria deixar bem claro que a poesia não é, e é mau que assim se pense, uma parte "menor" da literatura, quando, dentro desta, é o que há de mais musical e de mais em contacto com o mais menos-físico de nós, o mais... humano. E fazem-me impressão as pessoas que dizem que gostam de ler e não gostam de poesia. Porque isso é inconcebível... "ah, eu gosto de ler, mas isso da poesia não consigo, não é cá comigo!" é uma coisa que tenho ouvido (não necessariamente ipsis verbis) demasiadas vezes, e acho que essas pessoas, na verdade, não gostam de ler... acho que devemos reconhecer que gostar de ler as indicações e contra-indicações de um medicamento não poderá ser considerado "gostar de ler", da mesma forma que gostar de ler prosa mas deixar de lado a poesia não é, integralmente, ter amor à literatura, e, consequentemente, gostar de ler. Porque a literatura é mesmo a melhor coisa do mundo. Toda ela, com drama e prosa - e poesia.
Nesse lugar onde costumam ser atingidos
Os pássaros
Um pouco acima dos pássaros
No lugar onde costumam inclinar-se
Para o voo
Tenho medo do peso morto
Porque é um ninho desfeito
Estou ligeiramente acima do que morre
Nessa encosta onde a palavra é como pão
Um pouco na palma da mão que divide
E não separo como o silêncio em meio do que escrevo
Ando ligeiro acima do que digo
E verto o sangue para dentro das palavras
Ando um pouco acima da transfusão do poema
Ando humildemente nos arredores do verbo
Passageiro num degrau invisível sobre a terra
Nesse lugar das árvores com fruto e das árvores
No meio de incêndios
Estou um pouco no interior do que arde
Apagando-me devagar e tendo sede
Porque ando acima da força a saciar quem vive
E esmago o coração para o que desce sobre mim
E bebe
Daniel Faria, in Poesia, Quasi, Vila Nova de Famalicão, 2003
(Porque a poesia é necessária, tão mais que a prosa, e porque há pessoas que passaram a vida toda a fazer sempre "só", e cito, poemas "preguiçosos", e ainda bem que assim o é, porque é na sua qualidade de poetas que valem tanto a pena. Estava com esta atravessada já há uns tempos, e só mesmo por uma questão de irritaçãozinha, sem realmente acreditar no que vou dizer a seguir: que se foda a prosa. Só mesmo pela comichão que espero provocar com esta afirmação.)
N.A.: Entenda-se, reitero, que não pretendo que se foda a prosa realmente. Muitos dos meus autores preferidos são prosadores e romancistas, como não poderia deixar de ser. Só queria deixar bem claro que a poesia não é, e é mau que assim se pense, uma parte "menor" da literatura, quando, dentro desta, é o que há de mais musical e de mais em contacto com o mais menos-físico de nós, o mais... humano. E fazem-me impressão as pessoas que dizem que gostam de ler e não gostam de poesia. Porque isso é inconcebível... "ah, eu gosto de ler, mas isso da poesia não consigo, não é cá comigo!" é uma coisa que tenho ouvido (não necessariamente ipsis verbis) demasiadas vezes, e acho que essas pessoas, na verdade, não gostam de ler... acho que devemos reconhecer que gostar de ler as indicações e contra-indicações de um medicamento não poderá ser considerado "gostar de ler", da mesma forma que gostar de ler prosa mas deixar de lado a poesia não é, integralmente, ter amor à literatura, e, consequentemente, gostar de ler. Porque a literatura é mesmo a melhor coisa do mundo. Toda ela, com drama e prosa - e poesia.
3 comentários:
adoro poesia.
:O Não estás bem a ver o déjà vu. Ainda há dois dias me vieram com essa de que poesia, "epah poesia não, não consigo pegar num livro de poesia e lê-lo de uma ponta à outra". E eu: "Então mas não leste a Ilíada??" e a dita cuja: "Ah, pois, sim... Mas é que ela nem parece poesia, percebes?, é muito fluida..."
Ou seja, a poesia não é... Fluida? GRRRRRRR
Apoio incondicionalmente. Que se foda a prosa. "E eu cago-vos na tromba", como tão bem diz o nosso Vian.
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