Este fim-de-semana acabei por não ter ninguém com quem sair, portanto, saí sozinho, para mais uma noite de relativa animação e/ou depressão - devido ao facto de estar sozinho - no Trinca Espinhas (que até tem Myspace, e assim), tendo acabado por decidir encetar uma conversa com o dono/explorador do espaço/bartender/empregado de mesa/etc, Ruben, de seu nome, para efeitos de celeridade na referência ao mesmo indivíduo, ocorrência que pode ter lugar durante o decorrer deste texto. Sucede que Ruben, para além de vocalista de uma banda popular/experimental da zona Litoral Oeste, denominada Agrupamento Lauro Palma (sucede que também este agrupamento possui mais peixe - bonito jogo de palavras com o termo "Myspace"), é possuidor de uma licenciatura no curso de Línguas e Literaturas Modernas, variante de estudos Portugueses e Ingleses, concedida e reconhecida pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. E saber isto fez-me ter uma certa urgência de falar com o supra citado acerca de livros e de literatura e de autores, enfim, essas coisas.
Acontece que, felizmente, temos uma opinião muito parecida acerca disso, e a noite acabou por correr bastante bem, pese embora o facto de ter começado dificilmente (estava-me a custar sair de casa sem companhia). Queria deixar de antemão bem clara a ideia de que tenho algum respeito por opiniões diferentes da minha, e que o facto de pensar assim não me torna automaticamente um ditador que queira impingir esta opinião como uma verdade universal, embora a vá apresentar, por vezes, como se fosse, já que é minha característica típica.
A verdade é que há imensos livros que não valem nada. Que os lemos porque, ou são obrigatórios, ou porque um amigo intelectual, cuja sensibilidade respeitamos (ou respeitávamos, pelo menos) no-los "impingiu". Grandes clássicos que, em abono da verdade, não são agradáveis de ler, nem proporcionam uma experiência única. Nomeadamente, do Dostoievski, as únicas coisas que eu recomendaria são O Jogador e O Idiota... Crime e Castigo e Os Irmãos Karamazov são obras entediantes e demasiado compridas, com uma ou outra frase lá pelo meio, realmente imbuídas de uma centelha genial, e que, coligidas, dariam talvez um pequeno opúsculo de grande valor. Os Maias, por mais que eu goste, tornou-se, em Portugal, "aquele" livro de que toda a gente gosta; ou, melhor, "aquele" livro de que é possível ter-se conversas sobre livros; ou, ainda, "aquele" livro de que toda a gente fala, porque o deu na escola, embora, muito provavelmente, nunca o tenha lido, tendo recorrido, em vez disso, aos famigerados livrinhos da capa amarela (que para mim sempre foram os livros "abelha", já que, a meu ver, amarelo e preto não qualifica um livro para que seja "o de capa amarela"). Os Maias é o livro que toda a gente "desconhece" mas, no entanto, adora. Agora, a verdade é que não sei até que ponto desconhecem, porque a sinopse do livro da capa amarela apresenta, vistas bem as coisas, tudo aquilo que interessa, n'Os Maias... é que aquilo não assim tão bom, sejamos francos... e creio que as partes resumidas nesses auxiliares ao estudo são, muito sinceramente, o que importa e o que sobressai numa obra que, apesar de tudo de bom que se lhe aponte, não deixa de ser enfadonha em partes. Para ser franco, nunca achei as "soberbas" descrições do Eça, n'Os Maias, assim tão maravilhosas... talvez o ênfase que se dá a isso me tivesse levado a pensar que era uma coisa melhor... é a tal questão da expectativa. Que, confesso, criei em várias vezes, em relação a muitos livros, filmes, músicas... só para sair gorada ou, pelo menos, ligeiramente frustrada em quase todas as vezes.
Claro que há excepções, existem livros clássicos ou, pelo menos, livros a que se dá um valor enorme, que assim o merecem (na minha sensibilidade, isto é, já que sei que pelo menos um dos livros que tenho em mente é insuportável para uma cara amiga), nomeadamente o maravilhoso Don Quijote de La Mancha, de Cervantes (esse, sim, um livro fabuloso, de que nenhuma sinopse em livro de capa amarela consegue sequer aflorar uma pequena parte, de tão complexo e completo, que é), Ulysses, de James Joyce (desculpa, Joana), quase toda a obra do fantástico Shakespeare, enfim, os grandes poemas épicos da Antiguidade Greco-Romana, só para citar muito poucos (recuso-me a citar mais, porque estou consciente de que, embora muitas das pessoas que considero artistas de "clássicos" sejam de facto escritores reconhecidos, as suas obras não são consideradas verdadeiras bases da literatura - para além de que o meu universo literário é muito marcadamente anglo-saxónico/anglo-americano para os gostos refinados e francófonos dos meios literários portugueses/europeus/mundiais).
A minha grande questão, no fundo, é só a da expectativa em torno de um livro ser tantas vezes gorada quando o lemos, que me deixa a pensar, muito seriamente, "porque raio é que isto é considerado tão bom?!" Quer dizer... há livros por aí, que conhecemos de fazerem parte da cultura geral, que, na realidade, conhecemos tão bem, ou melhor, do que se os tivéssemos lido. Há livros de que sei que a minha ideia deles é melhor do que eles mesmos, e esses, também me recuso a lê-los. Sim, sei que a experiência da leitura também tem o seu valor, mas será que isso compensa a desvirtualização da noção, que tínhamos, de um certo livro, de um certo autor, de um certo tema? Há livros de que conhecemos as "ideias-chave" e, depois, ao lê-los, com esforço encontramos essas ideias lá pelo meio de palha e de coisas sem ritmo nem cadência nem interesse, uma frase no meio de um capítulo, se tanto.
É como, recorrendo eu ao meu conhecimento de filmes de terror de série B (neste caso, filmes giallo italianos), um dos primeiros filmes do genial Lucio Fulci (que, felizmente, começou a fazer filmes bons depois deste), Una lucertola con la pelle di donna (traduzido para inglês como "A Lizard in a Woman's Skin"), cujo trailer apresentava tudo o que o filme tinha de bom, ou seja, as quatro ou cinco únicas cenas de terror do filme estavam no trailer e, como eram, sinceramente, muito boas, muita gente poderia ter sido levada a pensar que todo o filme era extremamente interessante (salvo as devidas ressalvas, isto é, nenhum fã de comédias românticas ia achar que o filme era bom). E acho que se vive num estado em que isto acontece com os livros, mas ninguém se digna a reconhecer que muitos grandes clássicos, na verdade, são como um "trailer" de altíssima qualidade, que todos conhecemos de cor, por via de uma certa cultura geral e bom senso, mas que faz com que o "filme" pareça muito melhor do que aquilo que depois confirmamos ser.